Através de segredo bancário e de taxas de imposto
extremamente baixas (da ordem dos 10%) o Chipre atraiu durante vários anos
capitais estrangeiros (incluindo russos, representando actualmente cerca de 30%
do total dos depósitos) à procura de esconderijo. Esse dinheiro de proveniência
suspeita foi aplicado pelos bancos em investimentos que se revelaram ruinosos.
As relações estreitas com a Grécia não ajudaram. O total de activos dos bancos
chega a 7-8x o PIB cipriota… Com vencimentos e remunerações certos do lado do
passivo e retornos negativos do lado do activo está fácil de ver que o buraco
cresceu. E cresceu a tal ponto que os bancos entrariam em ruptura de tesouraria
na ausência de apoio externo excepcional. Sendo país da zona euro, apareceram
os do costume (da Troika) e meteram em cima da mesa EUR 10bn de crédito a longo
prazo desde que cerca de EUR 5-6bn viessem de “esforço doméstico”, ou seja, dos
depositantes. Chama-se a isto condicionalidade. As taxas de que se tem falado
(conforme o valor dos depósitos) podem considerar-se um imposto extraordinário
sobre o património. As últimas informações apontam para a possibilidade de os
depósitos de valor inferior a 25000 euros serem isentos de qualquer imposto
enquanto depósitos de valor superior a meio milhão de euros terem uma taxa da
ordem dos 40% ou mais, com taxas mais baixas para escalões intermédios. Pode
perceber-se que seria injusto serem os contribuintes, em geral, ou os novos
credores externos, em particular, a salvar os depósitos de valor muito elevado
dos oligarcas russos. Curioso que, de repente, o próprio governo russo se
disponibilize a ajudar caso receba informações detalhadas sobre os depositantes
russos envolvidos... De qualquer maneira, não me parece que o governo cipriota
esteja em condições de preservar o paraíso fiscal em que transformou o país.
E não se venha com a tese de que assim se viola a regra
sacrossanta de proteger pequenos depositantes com mecanismos de seguro mútuo
apoiados pelos bancos centrais. Não se trataria de um “haircut” mas de um
imposto. Eu sei: entramos no terreno da semântica… Outra coisa mais criticável
é tratar depositantes da mesma maneira (ou pior) do que credores, isto é,
detentores de títulos de dívida dos bancos em causa.
Tudo isto para dizer que se trata de uma situação
excepcional, pedindo medidas excepcionais que, como sempre nestas coisas, terão
alguma coisa de injusto para certos agentes económicos, em princípio, os mais
frágeis e bem-intencionados. Não se trata de ter o melhor de todos os mundos,
mas de ter o menos mau, sendo certo que se trata, de qualquer maneira, de
mundos falidos. Obviamente, deste tipo de medidas pode emergir um efeito de
pânico e de contágio de consequências imprevisíveis, como é sempre o caso dos
comportamentos irracionais.
Portanto, por agora, “stay calm and carry on”. É
preciso que a música continue a tocar no convés de um navio paquidérmico que
continua a meter água.
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