segunda-feira, março 18, 2013

O caso de Chipre

Através de segredo bancário e de taxas de imposto extremamente baixas (da ordem dos 10%) o Chipre atraiu durante vários anos capitais estrangeiros (incluindo russos, representando actualmente cerca de 30% do total dos depósitos) à procura de esconderijo. Esse dinheiro de proveniência suspeita foi aplicado pelos bancos em investimentos que se revelaram ruinosos. As relações estreitas com a Grécia não ajudaram. O total de activos dos bancos chega a 7-8x o PIB cipriota… Com vencimentos e remunerações certos do lado do passivo e retornos negativos do lado do activo está fácil de ver que o buraco cresceu. E cresceu a tal ponto que os bancos entrariam em ruptura de tesouraria na ausência de apoio externo excepcional. Sendo país da zona euro, apareceram os do costume (da Troika) e meteram em cima da mesa EUR 10bn de crédito a longo prazo desde que cerca de EUR 5-6bn viessem de “esforço doméstico”, ou seja, dos depositantes. Chama-se a isto condicionalidade. As taxas de que se tem falado (conforme o valor dos depósitos) podem considerar-se um imposto extraordinário sobre o património. As últimas informações apontam para a possibilidade de os depósitos de valor inferior a 25000 euros serem isentos de qualquer imposto enquanto depósitos de valor superior a meio milhão de euros terem uma taxa da ordem dos 40% ou mais, com taxas mais baixas para escalões intermédios. Pode perceber-se que seria injusto serem os contribuintes, em geral, ou os novos credores externos, em particular, a salvar os depósitos de valor muito elevado dos oligarcas russos. Curioso que, de repente, o próprio governo russo se disponibilize a ajudar caso receba informações detalhadas sobre os depositantes russos envolvidos... De qualquer maneira, não me parece que o governo cipriota esteja em condições de preservar o paraíso fiscal em que transformou o país.

E não se venha com a tese de que assim se viola a regra sacrossanta de proteger pequenos depositantes com mecanismos de seguro mútuo apoiados pelos bancos centrais. Não se trataria de um “haircut” mas de um imposto. Eu sei: entramos no terreno da semântica… Outra coisa mais criticável é tratar depositantes da mesma maneira (ou pior) do que credores, isto é, detentores de títulos de dívida dos bancos em causa.
Tudo isto para dizer que se trata de uma situação excepcional, pedindo medidas excepcionais que, como sempre nestas coisas, terão alguma coisa de injusto para certos agentes económicos, em princípio, os mais frágeis e bem-intencionados. Não se trata de ter o melhor de todos os mundos, mas de ter o menos mau, sendo certo que se trata, de qualquer maneira, de mundos falidos. Obviamente, deste tipo de medidas pode emergir um efeito de pânico e de contágio de consequências imprevisíveis, como é sempre o caso dos comportamentos irracionais.

Portanto, por agora, “stay calm and carry on”. É preciso que a música continue a tocar no convés de um navio paquidérmico que continua a meter água.

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