terça-feira, abril 10, 2012

Um Datsun no céu

Sempre me deslumbrou o carinho com que a D. Zulmira tratava o velho Datsun, estimadinho por dentro e por fora, sem o mais pequeno arranhão, luzidio e bem cheiroso. A D. Zulmira sofria de reumatismo, mas nem por isso falhava, ao Sábado de manhã, antes da missa, a limpeza do seu caríssimo Datsun que a levou a sítios inesquecíveis na companhia do seu querido e saudoso Joaquim, que tanta falta lhe fazia. Vergada a limpar os assentos e o tablier e os tapetes era como ir de joelhos até à capelinha das Aparições (que Deus Nosso Senhor me perdoe). Ai se o Datsun falasse... O que se divertiram a D. Zulmira e o seu Joaquim... Um belo dia, estava à frente do aparelho Philips que compraram na loja de electrodomésticos de Campo de Ourique quando apareceu a TV a cores, e o coração não resistiu a um golaço do Yazalde contra o Benfica. Aquilo sim, eram outros tempos. Outros golos, outros Joaquins. Deus nosso senhor de certeza que o guarda em paz porque o Sr. Joaquim não fazia mal a ninguém. Os únicos “excessos” eram o Sporting e as brincadeiras com a D. Zulmira, dentro e fora do Datsun, principalmente à beira do Tejo, à tardinha, para os lados de Alcântara. De resto, ía para a Conservatória do Registo Civil de manhãzinha cedo e regressava sempre à mesma hora para a merenda e para dar de comer ao periquito. Foi pena não poderem ter filhos... Mas foram felizes à maneira deles e sobretudo fiéis ao querido Datsun. Deixei de ver a D. Zulmira. E o Datsun acabou nalgum sucateiro sem alma nem escrúpulos. Tenho a certeza que haverá um Datsun no céu para os passeios da D. Zulmira e do Sr Joaquim. E que por lá haverá também uma Alcântara.

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