sábado, fevereiro 18, 2006

O declínio das élites

Acabei de ler um livro interessante cuja leitura aconselho vivamente. Trata-se do ultimo ensaio de Alain Minc (ver aqui) “Le crépuscule des petits dieux”, edições Grasset, Dezembro 2005.

O autor analisa o declínio inexorável da élite tradicional (dita de autoridade) e a sua substituição por uma nova élite (dita de notoriedade) que é o fruto de um media-mundo, ou seja, de uma espécie de ditadura da opinião pública (em aliança com os jornalistas). A justiça e os media passam de contra-poderes a “os poderes”. A. Minc releva a importância crescente de indíviduos de excepção na protagonização do poder, ao mesmo tempo que as classes sociais e os seus representantes convencionais definham, incluindo os sindicatos. Introduz o conceito de hiper-democracia a qual seria alimentada pelo individualismo, pela opinião e pela influência (em contraste com a tradicional autoridade).

Passo a citar algumas passagens que me pareceram paricularmente interessantes.

“Quanto aos novos mestres, esses milhares de gestores anónimos da poupança mundial, não têm nenhuma ambição política. Que a sua acção tenha uma influência decisiva sobre as questões colectivas, é uma evidência! Que eles tenham, por sua vez, qualquer aspiração a tornarem-se actores sociais e a pesar sobre o curso dos acontecimentos, é uma ilusão! Eles não têm nem o gosto – desprezam demais a política -, nem as capacidades – são demasiado incultos -, nem a ideologia – não conhecem outra senão a da ‘criação de valor’.” (p. 63)

“(...) o nível de vida médio cresceu enormemente; as classes sociais desfizeram-se; mas, as desigualdades não cessaram de aumentar. As palavras-chave da sociedade hiper-democrática são: individualismo, consumismo e tribalismo. O “eu” tornou-se rei. O “eu” dos corpos: liberdade sexual; cultura do belo (...). O “eu” da saúde: a hipocôndria espalha-se; (...) a auto-medicação generaliza-se; as despesas com saúde explodem (...). O “eu” dos valores: a liberdade individual é um absoluto e o respeito da dos outros deixou de constituir um travão; liberdade total de procrear, liberdade de todas as formas de vida em comum, liberdade de adoptar, liberdade de testar e, evidentemente, liberdade de pensar, de proclamar, de dizer, de fazer. O “eu” nos comportamentos colectivos: “meu” emprego, “meus” horários, “meu” bónus, tudo isso à custa das solidariedades tradicionais.” (pp. 76 e 77)

“O indivíduo rei não aprecia, paradoxalmente, a solidão; gosta de caçar em bando; quanto mais diferentes e numerosos forem os bandos a que pertence, mais ele se sente feliz.” (p. 80)

“[A opinião pública do media-mundo] é a expressão de uma sociedade feita de indivíduos atomizados, sem História, sem tradição, sem dinâmica. O triunfo da opinião não marca a apoteose da vida colectiva mas sim o seu declínio (...).” (p. 85)

“(...) o mito desvairado e redentor da transparência. (...) Ela tornou-se um ingrediente fundamental da ideologia ambiente (...). Ela alimenta a tentação populista: a transparência absoluta transforma-se facilmente em “voyeurisme”, o “voyeurisme” em inveja social, a inveja social em ódio aos que estão por cima.” (p.87)

“Certamente, o sucesso continua a ter primazia, mas os critérios da sua aferição mudaram: colocaram-se em consonância com a sociedade do espectáculo. Daqui resulta uma metamorfose do sistema republicano: não pode continuar a funcionar tendo como única escala o mérito e por única ideologia a igualdade de oportunidades. O acesso à élite de notoriedade é mais diversificado, os caminhos são múltiplos, a trajectórias menos balizadas e menos formais. Os media, obviamente, as artes, a publicidade, todas as formas de criação (...).” (p. 94)

“A élite de notoriedade não nasce nem de relações de força sociais, nem de processos meritocráticos, nem da transmissão (...) de um capital financeiro ou cultural: é um produto da sociedade e do media-mundo.” (pp. 120 e 121)

“A notoriedade, conquista-se, conserva-se e perde-se: nada é adquirido. Não existem fileira ou filiação para a conservar. Daí que a nova élite seja mais aberta, uma comunidade de indivíduos em contínua renovação. As personalidades fora do comum penetram nessa élite mais facilmente do que na élite tradicional? Parece que sim: afinal de contas, não depende senão delas próprias.” (p. 124)

“(...) nunca os indivíduos foram tão livres e, ao mesmo tempo, tão sós.” (p. 126)

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