De nome original, “ La
tête en friche ” é um filme de Jean Becker, baseado no livro do mesmo nome de Marie-Sabine Roger. É, portanto, um filme francês, o que para mim é raro
ver visto os filmes estrangeiros serem muito escassos aqui onde resido e maior
raridade ainda é serem apresentados com legendas. Já filmes com efeitos especiais e enredos
cheios de “fluff” e pouca substância não me faltam: os chamados “blockbuster
movies” feitos nos maiores estúdios de Hollywood e pelos quais tenho cada vez
menos interesse. Sinto-me muito mais atraída por filmes/documentários
estrangeiros ou produzidos por pequenos estúdios independentes, e no que diz
respeito a filmes estrangeiros prefiro os que são apresentados com legendas aos
que são dobrados. Acho que um filme dobrado perde muito. Por isso tenho de
esperar para que este tipo de filme passe pela televisão, geralmente num canal
de cabo dedicado exclusivamente a filmes e, frequentemente, anos após a
estreia. “La tête en friche” é um desses filmes;
sem nunca ter lido o livro e sem nunca ter sequer ouvido falar deste filme, o
que me fez sentar a vê-lo foi, precisamente, por ser um filme estrangeiro e por
ser legendado. Ironicamente as razões porque eu gosto de ver este tipo de filme
são, precisamente, as razões porque a sua distribuição é tão limitada por estes
lados.
Não vou fazer um resumo do filme, apenas salientarei algumas das razões porque, na minha humilde opinião,
este foi um filme que valeu a pena ver. Gostei por se tratar de um filme sobre
relações humanas. Com humor e de forma realista, relata bem as complexidades
inerentes às mais diversas interdependências entre seres humanos: desde aqueles
com quem o protagonista partilha diariamente a sua vida, ao modo como a
sociedade actual lida com o “problema” dos idosos, a complexos de inferioridade
e superioridade (os quais, muitas vezes, não passam de complexos de inferioridade
disfarçados). É também um filme que aborda diferentes maneiras
de amar: demonstra como um homem de 45
anos pode sentir um amor platónico e doce por uma mulher meio-século mais
velha; como a paciência e o amor podem superar tudo numa relação romântica (não
sei se teria a paciência daquela mulher para aturar um homem daqueles...); e
até como em casos de resentimentos e sagas entre pais e filhos o amor e o medo
são, frequentemente, os sentimentos subjacentes. Tudo isto abordado com doses
iguais de ternura,
drama, humor e mensagens positivas. Gosto sempre de filmes que me
fazem pensar, subjectivos e dados a introspecção.
Como sempre, “Obélix” faz um papelão. Desta feita interpretando
Germain, o “handyman” (faz-tudo) da vila, um quarentão quase analfabeto e meio
apatetado mas de bom coração, uma alma confusa e perdida de homem com montes de inseguranças e baixa
auto-estima mas possuidor de uma verdadeira “tête en friche”, o que faz com que
acabe por citar Albert Camus e Romain Gary, entre outros. Tudo graças a
“Margueritte com dois ts”, como insiste em salientar a versada nonagenária
engraçada, um papel muito bem
interpretado por Gisèle Casadesus – gostava de conhecer uma senhora
assim.
Acho que “A Blank Slate”
("tábua rasa") ou “Fertile Mind” (“mente fértil “) seria uma tradução
mais apropriada para o título, mas não lhe vou tirar pontos por causa disso: trailer
Resumindo:
nenhuma obra prima mas um filme simpático para ver numa tarde calma, soalheira e
fria de outono com as mãos envoltas numa caneca de “chocolate chai tea” bem
quente, com um cobertor sobre as pernas e um xaile sobre as costas (tal qual a
velhinha com que cada vez mais me pareço) enquanto o vento lá fora se encarrega
de despir ainda mais as árvores e o gato ronrona ao nosso lado, velho mas
feliz. Por outras palavras: um filme
para os sentimentalistas amantes de literatura entre nós, não apenas destinado
a mulheres. Oitenta minutos bem passados enquanto as urgências da vida não nos chamam.
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