sábado, março 31, 2012

Assim vão as coisas

De repente o entusiasmo dos aprendizes de boas notícias: os juros da dívida dos Estados estão a baixar. Quer dizer que os investidores parecem mais contentes com o risco e portanto satisfazem-se com taxas de juro mais baixas. Só que o que se está a passar é algo diferente: os bancos vão ao Banco Central Europeu (BCE) buscar quantidades maiores de dinheiro, a prazos mais longos e a taxas reduzidas que depois utilizam em grande medida para emprestar aos Estados a taxas mais altas, embora decrescentes. Quer dizer, na prática o BCE está a emprestar aos Estados por intermédio dos bancos, dando a estes últimos, de caminho, margens simpáticas que atenuam a pressão sobre a rendibilidade.

O BCE tem sido o verdadeiro mecanismo de estabilização financeira tornando redundantes as conversas dos cavalheiros que governam a Europa, cada uma putativamente mais dramática e decisiva do que a precedente... O BCE não tem restrições de financiamento porque cria moeda. Não precisa de pedir emprestado para emprestar. Se a liquidez que injecta na economia não for esterilizada, mais cedo ou mais tarde, a consequência será a inflação. Mas, neste momento, quem se preocupa com inflação quando o desemprego não pára de aumentar e o crescimento patina? O governo alemão (ou pelo menos alguns sectores influentes na Alemanha) parece preocupar-se... até que a recessão atinja igualmente o país... Daí algum mal-estar em relação à política do BCE.

Por outro lado, BCE inesgotável e outras redes de protecção, como o Fundo Europeu de Estabilização Financeira e o futuro Mecanismo de Estabilização Europeu (chamam-lhes "firewall"), para além de suscitarem debate sobre mutualização de perdas ou sacrifícios entre Estados-membros, criam "moral hazard". Quer dizer: os Estados, os bancos, as empresas, as famílias podem continuar a fazer o que lhes apetece (i.e. muitos disparates nos últimos anos) porque os Estados encontrarão sempre maneira de dourar a pilula. Tudo em nome da estabilidade e do interesse sistémico (para evitar hecatombes, claro está...) e sempre à custa dos contribuintes ou, mais precisamente, dos contribuintes com voz menos sonante e menor capacidade de resistir ou de contornar as regras.

De facto, para além da espúria e artificial descida dos juros da dívida dos países gastadores, isto continua muito mal. Os investidores não-europeus continuam a fugir a sete pés e a preparar-se para ganhar rios de dinheiro com as perdas dos outros. As expectativas continuam muito negativas. A Espanha parece cada vez mais juntar-se ao clube dos ansiosos e sofredores. A dimensão do problema espanhol faz medo e, a precipitar-se, esse problema será de gestão muitissimo complexa, se de todo possível, não obstante todos os "firewalls".

Em Portugal, os devedores continuam a rapar no fundo do tacho e os bancos preparam almofadas para o pior. Esse "pior" que resultaria de problemas importados, porque nós continuamos a fazer as coisas direitinho, até ao limite do cansaço. Parece tudo preso por arames, cada vez mais frágil e efémero. Mas, dadas as nossas virtudes e obediência, poderemos contar com um segundo pacote da Troika que parece cada vez mais ali mesmo ao dobrar da esquina, como prometeu o ministro das finanças alemão ao nosso seráfico Vitor Gaspar em inconfidência mediática, deliciosa contradição nos próprios termos.

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