O Manel foi durante muito tempo um herói do trapézio do desenrascanço. Conseguia copiar nos testes melhor do que ninguém, subornava o contínuo para podermos jogar no terreiro da escola em períodos interditos ao comum dos mortais, jogava à lerpa com a perícia de um batoteiro de Las Vegas, era um sedutor de grande calíbre. O Manel saiu do liceu pela porta pequena das classificações mas pela porta grande da lenda. Montou um negócio de comércio de materiais de construção e, mais uma vez, safou-se, manobrando clientes e fornecedores, manipulando empregados, fugindo aos impostos como é apanágio dos cidadãos argutos. Aos 30 anos tinha Mercedes, vivenda com jardim, piscina, lobo da Alsácia e leão de pata no ar a meter respeito (porque é sportinguista empedernido). O Manel tinha esposa, filhos e amantes, casa de praia e férias marcadas para o Brasil. Tudo corria pelo melhor. Até conseguiu ganhar a presidência da Câmara Municipal na lista de um dos partidos do sucesso, o que lhe aumentou as possibilidades de traficar tijolos e influências. Dali até ao negócio imobiliário foi só um pulinho e os projectos (tempestivamente aprovados pelos serviços da Câmara) nasceram como cogumelos. O Manel passou a dar Mercedes às amantes, aos filhos, aos empreiteiros e a todos os “colaboradores”. A equipa de futebol da terra subiu 3 vezes de divisão em 3 anos seguidos porque os árbitros simpatizavam com o Manel e os jogadores sentiam-se especialmente motivados pelo amor à conta bancária.
Um dia, chegou um fiscal das Finanças, mandado seguramente por invejosos incontinentes. Os juros aumentaram e as pessoas passaram a comprar menos casas que o Manel continuava a construir como cogumelos. O dinheiro começou a ser menos caudaloso nos bancos e os gestores de conta (jovens recém-licenciados cheios de manias) começaram a fazer perguntas incómodas e a pedir garantias, à revelia da simpatia dos directores das agências. As amantes começaram a protestar porque as prendas faziam-se cada vez mais raras e fuinhas. E até os Mercedes tinham problemas de travões e suspensão. O clube da terra desceu de divisão e puseram o Manel em Tribunal por causa de uns pagamentos estranhos. O Manel começou a ver a coisa a andar para trás e a sua proverbial esperteza parecia pouca para tanta contrariedade. As amantes escreviam cartas anónimas, a mulher (coitada) chorava pelos cantos e até o leão à porta de casa apareceu com a perna de cimento partida.
Um dia recebeu uma carta para comparecer na esquadra para “tratar de assuntos do seu interesse”. O Manel sentiu cheiro a queimado e percebeu que teria pouca eloquência para convencer os investigadores de que era um cidadão exemplar, acima de qualquer suspeita, vítima de conspiração por pessoas com dor de cotovelo e de mau perder. Fez umas transferências bancárias, levantou uns milhares de euros em notas, pediu à mulher para fazer as malas, telefonou aos filhos que estavam a estudar em Lisboa para lhes dizer que nada lhes faltaria, pegou no Mercedes com menos problemas de travões e suspensão e zarpou, primeiro para Espanha e depois para Angola, onde não lhe faltariam amigos na construção civil...
O que mais chateava o Manel, nem era os gajos da polícia e dos tribunais – eram estes tipos engravatados e arrogantes da Troika a dizer que é preciso meter o país na ordem, cortar nas despesas, pôr os indigenas a pagar impostos e eliminar privilégios. Puta que os pariu! Ala que se faz tarde.
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