A convocatória de um referendo pelo PM da Grécia suscita-me as seguintes observações:
Ficou-lhe mal fazer tal anúncio de forma inesperada, apenas alguns dias após a cimeira em que se decidiram as linhas gerais de um novo pacote para salvar a Grécia de uma bancarrota caótica… a não ser que (a) se trate de uma estratégia pérfida para melhorar a sua posição negocial quanto aos detalhes de tal pacote que se traduzirão seguramente em (ainda mais) austeridade ou (b) ao regressar a Atenas, tivesse tido conhecimento de circunstâncias novas (fala-se da iminência de um golpe de Estado…) que exigiriam uma tal tomada de posição de emergência. Seja como for, quem ficou seguramente mal na fotografia foram os outros líderes europeus, sobretudo, os que mais se dispuseram a pagar para “salvar” o que resta da Grécia e dos bancos que lhe emprestaram tanto dinheiro de forma tão insensata. Há um problema cada vez maior de confiança e de credibilidade em relação a tudo o que vem da Grécia, buraco negro trágico e infindável.
Por outro lado, é verdade que o PM de um qualquer governo, por maior que seja o seu apoio parlamentar, chega a determinado ponto em que as decisões se revestem de tal importância para o destino colectivo e para o que resta de soberania nacional que precisa de interpelar o povo especificamente sobre tais matérias. Trata-se de uma questão de legitimidade. Trata-se de situações não cobertas pelo mandato de anteriores eleições gerais e que, portanto, justificam uma decisão popular concreta.
Se o referendo se realizar (imagino que as pressões sejam mais do que muitas para o abortar…) e se a resposta dos gregos for positiva quanto aos termos de mais este pacote, o governo terá toda a legitimidade e força para o executar (não obstante o mau desempenho até agora!), mesmo que isso signifique a prostração completa da sociedade grega... que os próprios gregos teriam avalizado... por falta de outras alternativas... Uma espécie de hara-kiri colectivo. Se a resposta for negativa, os outros Estados da UE e os financiadores internacionais (i) terão de aceitar a continuação da subsidiação da Grécia em condições mais generosas do que em princípio estavam dispostos a aceitar ou (ii) simplesmente deixam cair tudo e a Grécia passará a ser a Argentina da Europa (regresso à dracma, leilão das dívidas no Clube de Paris, desemprego em massa, corrida aos depósitos, quebra ainda maior do preço dos activos, etc.). Neste último caso, a UE deverá apenas tentar circunscrever o problema e evitar o contágio a outros países, o que se afigura extremamente difícil, principalmente por causa da fragilidade de colossos como a Itália e a Espanha. Ou seja, estar-se-ia mesmo à beira do colapso do euro e da UE. Mesmo a solução (i) abriria um precedente perigoso que poderiam reivindicar outros países em idênticas circunstâncias, pese embora a especificidade e a diferente escala dos problemas de cada um...
Em qualquer caso, o período entre o anúncio do referendo e a sua possível realização (ou o período até eleições antecipadas que, para todos os efeitos, serão equivalentes a um referendo aos pacotes de assistência à Grécia) será de extrema incerteza. Mais uma vez, se exacerbam a volatilidade e a falta de previsibilidade que matam ainda mais a confiança. Porque a complexidade dos problemas e do processo de decisão para a sua solução cria uma espiral de pessimismo e de receio que tolhem as acções de consumidores, aforradores e investidores.
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