Começo por esclarecer que não sou liberal. Mas, para ser sincero, jà fui menos...
Aprecio os valores da liberdade, da responsabilidade individual, da iniciativa. Mas dou ainda mais importância à solidariedade, à generosidade, à repartição justa da riqueza, à igualdade. Portanto, acho que o Estado tem uma função incontornável na “produção de sociedade”, através da prestação de bens e serviços que não interessam aos entes privados (i.e. que não são nem devem ser lucrativos), através da promoção da justiça social e económica. O Estado não pode limitar-se a aplicar a lei, fornecer segurança e proteger a propriedade. Não alinho com a versão minimalista do Estado-polícia, gostaria que o Estado-Providência fosse viável.
Dito isto, gosto de liberais autênticos que acreditam genuinamente na concorrência e na vitória do mérito. O problema é a distância entre esses respeitáveis conceitos teóricos e a realidade. Porque a livre concorrência não existe e o mérito é coisa relativa e contestável. Os verdadeiros liberais são criaturas inocentes e admiráveis. Eu disse: os verdadeiros, os que (como os verdadeiros comunistas) são movidos pela fé num modelo de sociedade que é apenas isso mesmo: um modelo, uma utopia.
Porque a maior parte dos auto-proclamados liberais defendem publicamente a concorrência para os outros, escondendo o protecionismo que aplicam a si próprios e aos amigos. E assim confirmam que a concorrência é teórica e o protecionismo corresponde à realidade. Porém, chateia a desonestidade de tais criaturas que enchem a boca de competição e que fazem batota o tempo todo, fazendo dos outros parvos também.
3 comentários:
Olá Miguel!
Como já deves ter reparado, sou uma “melga” que sempre que pode segue as tuas “picadas”. Gostei desta tua crónica, gostei de saber que a vida não te retirou grande parte da pureza que tinhas aos 17 anos. Na verdade, quando as estruturas são sólidas seguem-nos durante a vida.
Quero, no entanto, fazer-te um reparo. A certa altura dizes que o Estado deve, além do mais, assegurar a “prestação de bens e serviços que não interessam aos entes privados”, deixa-me dizer que a maior parte das vezes interessa e muito. Pode-se referir o caso da Saúde, da Escola, da Segurança, além de outros. Porque podem ser muito apetecíveis é que se torna perigoso deixá-los na mão da iniciativa privada onde o lucro aparece sempre em primeiro lugar, colocando uma grande parte da população entregue à sua sorte.
Abraço
Cara Ilda, obrigado pelo teu comentário absolutamente pertinente que nos remete para o conceito de "bens públicos". Saúde e educação que permitem lucros são serviços que podem ser pagos acima do seu custo por cidadãos com poder de compra para tal. Isso não me escandaliza. O que não é aceitável é que tais serviços (por natureza "públicos") não sejam prestados (com a mesma qualidade) aos cidadãos sem capacidade para os pagar. Era a isso que me referia. Portanto, o Estado deve assegurar a prestação universal de serviços públicos financiados (a) pelos impostos (que os mais ricos deverão pagar em maior proporção) e/ou (b) por um preço a pagar directamente pelos utentes segundo os recursos de cada um. Há um outro argumento que, por vezes, se usa para defender as chamadas "taxas moderadoras" nos serviços públicos: a obrigação de pagar (por pouco que seja) conduz a uma limitação eficiente da procura, dado que a gratuitidade leva os consumidores a abusar do acesso a recursos escassos.
Olá Miguel!
Não estou a alimentar uma grande discussão, no essencial não tenho posição muito diferente da tua. No entanto, deixa-me dizer-te que as questões que se colocam são delicadas, são difíceis de solucionar, se fossem fáceis nem sequer aqui estávamos a discutir.
Julgo que se trata de uma questão de pagamento de impostos. Nos países latinos, a sua cobrança é mais difícil do que nos países nórdicos. No nosso país parece que não é fácil colocar as pessoas a pagarem os impostos que são devidos. Se isso acontecesse essas taxas moderadoras não eram necessárias – aquilo que a saúde e a educação ofereciam seria o melhor para todos, o seu pagamento seria feito no momento de pagar imposto. Isto evitaria que na “fila” estivesse o de senha verde, amarela ou azul.
Um país desenvolvido nas questões essenciais (da saúde e da educação, por exemplo) tem de oferecer o melhor a todos. Abraço.
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