segunda-feira, maio 23, 2011

Os liberais

Começo por esclarecer que não sou liberal. Mas, para ser sincero, jà fui menos...

Aprecio os valores da liberdade, da responsabilidade individual, da iniciativa. Mas dou ainda mais importância à solidariedade, à generosidade, à repartição justa da riqueza, à igualdade. Portanto, acho que o Estado tem uma função incontornável na “produção de sociedade”, através da prestação de bens e serviços que não interessam aos entes privados (i.e. que não são nem devem ser lucrativos), através da promoção da justiça social e económica. O Estado não pode limitar-se a aplicar a lei, fornecer segurança e proteger a propriedade. Não alinho com a versão minimalista do Estado-polícia, gostaria que o Estado-Providência fosse viável.

Dito isto, gosto de liberais autênticos que acreditam genuinamente na concorrência e na vitória do mérito. O problema é a distância entre esses respeitáveis conceitos teóricos e a realidade. Porque a livre concorrência não existe e o mérito é coisa relativa e contestável. Os verdadeiros liberais são criaturas inocentes e admiráveis. Eu disse: os verdadeiros, os que (como os verdadeiros comunistas) são movidos pela fé num modelo de sociedade que é apenas isso mesmo: um modelo, uma utopia.

Porque a maior parte dos auto-proclamados liberais defendem publicamente a concorrência para os outros, escondendo o protecionismo que aplicam a si próprios e aos amigos. E assim confirmam que a concorrência é teórica e o protecionismo corresponde à realidade. Porém, chateia a desonestidade de tais criaturas que enchem a boca de competição e que fazem batota o tempo todo, fazendo dos outros parvos também.

3 comentários:

Ilda B. disse...

Olá Miguel!
Como já deves ter reparado, sou uma “melga” que sempre que pode segue as tuas “picadas”. Gostei desta tua crónica, gostei de saber que a vida não te retirou grande parte da pureza que tinhas aos 17 anos. Na verdade, quando as estruturas são sólidas seguem-nos durante a vida.
Quero, no entanto, fazer-te um reparo. A certa altura dizes que o Estado deve, além do mais, assegurar a “prestação de bens e serviços que não interessam aos entes privados”, deixa-me dizer que a maior parte das vezes interessa e muito. Pode-se referir o caso da Saúde, da Escola, da Segurança, além de outros. Porque podem ser muito apetecíveis é que se torna perigoso deixá-los na mão da iniciativa privada onde o lucro aparece sempre em primeiro lugar, colocando uma grande parte da população entregue à sua sorte.
Abraço

Miguel disse...

Cara Ilda, obrigado pelo teu comentário absolutamente pertinente que nos remete para o conceito de "bens públicos". Saúde e educação que permitem lucros são serviços que podem ser pagos acima do seu custo por cidadãos com poder de compra para tal. Isso não me escandaliza. O que não é aceitável é que tais serviços (por natureza "públicos") não sejam prestados (com a mesma qualidade) aos cidadãos sem capacidade para os pagar. Era a isso que me referia. Portanto, o Estado deve assegurar a prestação universal de serviços públicos financiados (a) pelos impostos (que os mais ricos deverão pagar em maior proporção) e/ou (b) por um preço a pagar directamente pelos utentes segundo os recursos de cada um. Há um outro argumento que, por vezes, se usa para defender as chamadas "taxas moderadoras" nos serviços públicos: a obrigação de pagar (por pouco que seja) conduz a uma limitação eficiente da procura, dado que a gratuitidade leva os consumidores a abusar do acesso a recursos escassos.

Ilda B. disse...

Olá Miguel!
Não estou a alimentar uma grande discussão, no essencial não tenho posição muito diferente da tua. No entanto, deixa-me dizer-te que as questões que se colocam são delicadas, são difíceis de solucionar, se fossem fáceis nem sequer aqui estávamos a discutir.
Julgo que se trata de uma questão de pagamento de impostos. Nos países latinos, a sua cobrança é mais difícil do que nos países nórdicos. No nosso país parece que não é fácil colocar as pessoas a pagarem os impostos que são devidos. Se isso acontecesse essas taxas moderadoras não eram necessárias – aquilo que a saúde e a educação ofereciam seria o melhor para todos, o seu pagamento seria feito no momento de pagar imposto. Isto evitaria que na “fila” estivesse o de senha verde, amarela ou azul.
Um país desenvolvido nas questões essenciais (da saúde e da educação, por exemplo) tem de oferecer o melhor a todos. Abraço.