terça-feira, maio 17, 2011

DSK

A história de Dominique Strauss-Kahn é exemplar a vários títulos e pelas piores razões. Ou se trata de um complot digno da trama mais sórdida e genial de um filme de espiões (de estirpe e desígnios variados) ou se trata da perdição de um homem de poder imenso, prisioneiro de instintos dificilmente conciliáveis com a inteligência e sofisticação que também se atribuem à personagem. No entanto, talvez tudo isso seja complementar, inextricável.

Frequentemente, o poder cega os indíviduos, dá-lhes uma sensação de omnipotência e de impunidade que os desvia da realidade, que os transporta a uma dimensão esotérica, à sua exclusiva imagem e semelhança. A norma confunde-se com a excepção, a lei com o crime, o possivel com o impossivel, o humano com o bestial. O próprio Ego incha a tal ponto que as outras pessoas se transformam em simples utensílios de satisfação de uma necessidade insaciável e irreprimível de prazer e de protagonismo. Essa soberba, essa fantasia tornam-se, porém, um enorme calcanhar de aquiles, uma fonte de vulnerabilidade. A mais fina inteligência, a maior racionalidade expõem-se assim ao mais inverosímil deslize. Indivíduos aparentemente inexpugnáveis e distantes convertem-se em presas fáceis do que de mais primário possui a natureza humana.

Todas as pessoas têm um lado secreto ou oculto, consciente ou inconsciente, confessável ou inconfessável. Todos os seres humanos são bons e maus ao mesmo tempo, em doses variáveis, em circunstâncias diferentes (“a ocasião faz o ladrão”). Só o céu - que não existe - está cheio de santos fictícios. Só o inferno - que também não existe - está cheio de criaturas hediondas. Antes da socialização, as crianças de tenra idade não conhecem a proibição ou a transgressão. E fazem disparates! É a relação mais ou menos equilibrada com os outros e as limitações naturalmente decorrentes dessa relação que nos ensinam a respeitar o espaço e os direitos dos nossos semelhantes. Muitas pessoas de poder, no fundo, sofrem de uma regressão infantil: deixam de considerar os outros como entidades autónomas, imúnes à sua própria autoridade e desejo, ignoram as limitações óbvias da realidade, constroem realidades inexistentes.

Que se faça justiça de acordo com as normas e procedimentos da jurisdição (americana) aplicável, sem exagero, hipocrisia ou preconceitos. Que o homem seja tratado como merece e sobretudo como qualquer cidadão, "ceteris paribus". A sua culpa - a existir - também é a da sua consciência. Que a vítima - a existir - seja respeitada e resarcida como merece.

Continuará a existir FMI e homens e mulheres fracos e poderosos (tratando-se, no fim de contas, de conceitos discutíveis). E violência sexual e muita outra violência, incluindo a mediática. É o sistema que se reproduz...

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