domingo, março 13, 2011

Rasca ou à rasca

Parabéns aos promotores das manifestações dos “à rasca” de todas as gerações. Foi grande, caudaloso, bonito, pacífico, razoavelmente eclético, divertido, bem humorado, musical. Até Sócrates e tantos outros políticos de todas as côres gostaram ou, pelo menos, compreenderam, exprimiram simpatia... Todas as pessoas de bom senso e que ainda não passaram o limiar da miséria (ou da revolta violenta) se identificaram com aquela eloquente expressão de mal-estar. Porque as pessoas estão fartas de desemprego, de perda de poder de compra, de clientelismo e favoritismo, de burocracia inútil, de mais impostos, de perda de regalias sociais, de precaridade, de injustiça na distribuição da riqueza e dos sacrifícios, da falta de perspectivas, de esperança, de futuro.

A exorcização do mal-estar, pelos vistos, funcionou. A malta de todas as gerações sentiu-se unida, solidária, alegre na aflição, como noutros tempos de reivindicação e utopia. Fez-se sociedade o que, só por si, é bom em tempos de individualismo, oportunismo e agressividade.

Mas, e depois?

Um dos organizadores das manifestações disse à imprensa que eles não são contra os políticos, que até convidaram todos os deputados a participar. Com alguma sorte teriamos visto o Sócrates a abrir o cortejo com uma bandeira vermelha a dizer “Basta!”. Então o país está de pantanas e ninguém tem culpa? Toda a gente compreende, mas ninguém se sente responsável... salvo algum indígena torturado de idade provecta que, perante as câmaras da televisão, confessa uma culpa piedosa e patética que não se justifica.

Nâo têm culpa os de 40-60 anos que estão agora no poder, não têm culpa os da putativa “geração rasca”, não têm culpa os jovens e menos jovens que ocupam lugares de privilégio independentemente do mérito, não têm culpa os ricos que ficam cada vez mais ricos, não tem culpa os indíviduos e organizações que, durante as últimas décadas, tomaram decisões erradas de que estamos agora a sofrer as consequências. Concordamos todos que isto está mal e, pronto, esperamos que a solução caia, miraculosa, do céu aos trambolhões sem mudar as instituiçôes e os protagonistas do poder.

É evidente que os políticos têm culpa, os políticos que tomaram decisões sobre a afectação de recursos neste país nos últimos 35 anos. [Passo o período anterior da ditadura que já está sobejamente culpabilizado]. Têm culpa os governantes dos últimos 5 anos bem como os seus antecessores. Tem culpa quem votou neles. Mas, o que é mais preocupante não é o que se escolheu ou o que agora se tem, mas sim a falta de melhores alternativas. Os indíviduos e organizações que se perfilam para suceder ao poder actual cerecem de propostas credíveis e mobilizadoras.

O que resta então? A impotência, o desespero, a resignaçâo?

Querem os promotores desta insurreição de veludo criar um novo partido para disputar o poder e mostrar que se pode verdadeiramente mudar, evitando a estagnação ou o empobrecimento? Querem continuar a vociferar o mal-estar, esperando que os polítícos existentes finalmente entrem nos eixos?

Como já aqui escrevi (http://fantasticomelga.blogspot.com/2011/01/brevissima-historia-de-portugal-em.html), “[a] única esperança serão, daqui a 20 anos, os jovens que agora têm entre 15 e 25 anos, os filhos dos tais das gerações falhadas, cobaias das reformas (ou convulsões) do ensino, do consumo, dos costumes e da família e que não são "tubos digestivos que caminham e fornicam". Com um bocado de sorte, ainda cá estarei para ver se essa malta, com uma cabeça apesar de tudo mais aberta, lúcida e ambiciosa, ocupa como deve ser os lugares de direcção desta nossa desditosa pátria e escolhe estratégias virtuosas para nos tirar da persistência do atraso que - quero acreditar - não tem nada a ver com factores genéticos.”

Para que isto seja possível, é necessário que, em vez de renegar (ou edulcorar) os partidos, os jovens “à rasca” se infiltrem neles, varrendo a falta de qualidade e o oportunismo “rasca” de todas as idades, demonstrando que são melhores e que os podem subverter com ideias e liderança novas. A mudança necessária da política implica que pessoas voluntariosas, cultas e inteligentes dêem a volta aos partidos ou criem novos partidos que ameacem seriamente os existentes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Miguel, já lá vai algum tempo.

O convite aos deputados não implica uma desresponsabilização deles. Todos eles terão as suas opiniões para gostar ou não do protesto, todos eles terão as suas propostas para o que está mal ou deixa de estar. Mas o protesto não pretendeu nunca (nem acho que o tenha feito) desresponsabilizá-los. Pretendeu sim pôr as pessoas a falar sobre o problema da precariedade em portugal, tentar dar voz à sociedade civil (apelando até à consciência de classe de cada um), agindo tanto como uma catarse colectiva como uma devolução da democracia onde ela tem estado mais ausente: dos cidadãos. E convenhamos, há muitas culpas por reconhecer, não apenas na classe política. Que a classe política tenha a fatia de leão não tenho dúvidas, mas não teremos nós culpa de "pormos sempre os mesmos no poleiro"? Não teremos nós culpa de não termos feito esta manifestação antes? Não teremos culpa de não participarmos, de não nos fazermos ouvir, de não tentarmos influenciar algo e apenas resignarmo-nos a escolher o menor de dois males? Não terão os interesses económicos oligárquicos deste país, em conivência com a classe política e com o nosso silêncio, contribuído para chegarmos a esta situação? Não terão os partidos da oposição alguma responsabilidade também em não conseguir travar a perda de direitos laborais? Se entrarmos na lógica do coitadinho dos partidos da oposição que são minoritários, será que não têm culpa de não terem feito tudo o que podiam para evitar esse "downsizing" de direitos que nos roubam a vida? Não terão eles a culpa também de não agarrarem gerações inteiras cada vez mais descrentes não apenas no "centrão" mas também em quem se propõe ser a alternativa?

Os deputados foram convidados a participar, enquanto cidadãos, tais como foram vários partidos, não apenas os que têm assento parlamentar. Foi feito, sabendo de antemão que iria criar celeuma em vários quadrantes. Foi feito, também, porque da esquerda à direita, os oportunistas iriam colar-se. E havendo essa colagem sem que nós tivéssemos o mínimo de controlo da comunicação seria muito mais fácil uma tentativa de instrumentalizar algo que se queria (e foi) uma mobilização cívica. E por isso tomámos a dianteira, tentando fazer a nossa agenda ao invés de andar a correr atrás das agendas de máquinas partidárias montadas. Sabíamos que não seria fácil explicá-lo às pessoas que aderiram ao protesto, mas penso que com mais ou menos dificuldade compreenderam.

Eu sei que este tópico não é uma questão consensual. Mas como tudo na vida, e deverás saber e compreender isto bem melhor que eu, os bons não estão todos de um lado da barricada e os maus do outro.

Um abraço,
Alexandre de Sousa Carvalho

Miguel disse...

Caro Alexandre

Reitero os meus sinceros parabéns pela iniciativa, energia, criatividade e espírito cívico dos organizadores e de milhares de participantes. Como já disse, "fez-se" sociedade, o que tem faltado no meio das angústias, dos arranjinhos e do desenrascanço individuais. Dito isto, depois de feitas as contas com os principais responsáveis pelos problemas "intestinos" que nos torturam e que, no limite, são os portugueses todos, repito que é preciso avançar para uma fase superior de intervenção através da subversão dos partidos existentes e/ou da criação de novas estruturas que influenciem a forma como se faz política, se exerce o poder e se tomam as decisões estratégicas de que o país precisa. A recente criação do Fórum pode ser um espaço adicional de debate e embrião de coisas mais concretas. O principal problema da "multitudine" é a dificuldade em organizar a sua extraordinária vitalidade caótica e dialética para produzir transformação mediante um exercício alternativo do poder, isto é, sem cair nos vícios e mordomias dos velhos protagonistas do velho poder.

Anónimo disse...

Estamos totalmente de acordo então.

O meu comentário anterior serviu para tentar explicar o que foi uma das decisões mais difíceis da organização, mas cuja convicção é que era inevitável nesta "dança" a que chamamos política, e que tal tomada de posição permitiu-nos salvaguardar o protesto de 'hijacking' político.

Um bem haja,
Alexandre