domingo, fevereiro 20, 2011

Ondas de mudança


O projecto descrito neste link provocará mais transformações nos países pobres e governados por autocracias, feudalismos e tribalismos do que muitas revoluções políticas e militares e manifestos ou declarações de solidariedade dos países ricos. Trata-se de colocar em órbita um conjunto de 20 satélites fabricados por um consórcio europeu, lançados pelo foguetão europeu Ariane e financiados por investidores como SES (Société Européenne de Satélites, detentora de Astra) e Google. O projecto chama-se O3b (Other 3 billion) porque visa permitir a utilização de internet de banda larga pelos 3 mil milhões da população mundial que até agora têm estado do lado de lá da fronteira digital. Pretende-se permitir o acesso à internet em condições muito económicas (o que não seria possivel apenas pela via terrestre) de populações até agora excluidas da América Latina, África sub-sahariana, Médio Oriente e Ásia. Ora, tendo em conta a importância da difusão da informação em processos revolucionários recentes em países árabes, imagina-se o impacto que tal projecto poderá ter, também noutros contextos, facilitando as "revoluções facebook", como alguns já lhes chamam. Os ditadores que se cuidem porque as vanguardas contestatárias terão meios cada vez mais poderosos para apelar à subversão de sistemas anquilosados e corruptos, aplicando, nomeadamente, os principíos da "resistência pacífica" do velho, mas cada vez mais actual, Glen Sharp.
A questão cínica que se pode levantar é a seguinte: serão os povos capazes de se governar em liberdade e democracia, depois de conseguirem derrubar regimes totalitários, obscurantistas e fanáticos que permitiram uma certa ordem (no meio de uma profunda desigualdade), de que têm beneficiado os países ocidentais, preocupados com a estabilidade em regiões onde se concentra uma parte significativa das reservas petrolíferas mundiais? Aqueles povos têm maturidade e sabedoria para saber o que lhes convém? Qual o preço da liberdade? Será a liberdade sempre o valor supremo e incondicional? Trata-se apenas de impulsos que conduzem ao caos dada a "impreparação" dessas sociedades para adoptar sistemas de governação de tipo ocidental, onde a democracia também é ficção, mas funciona e é compatível com alguma prosperidade? Questões que tornam a onda de mudança no mundo islâmico um processo complexo cheio de esperanças, riscos e incógnitas.

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