Pois é, é complicado. Como se muda isto tudo em tempo razoável? Porque é isso que é preciso. Substituir as urgências e o curto prazo por visões de longo prazo, ter um projecto coerente que assinale caminhos preferíveis às pessoas e às organizações. Substituir elites que o não são, meter cultura onde não existe, meter pontualidade, disciplina e rigor onde são desprezados, colocar civismo nos gestos mais triviais, ousadia na mediocridade, instabilidade criativa no conforto e nas mordomias que se alimentam de subserviência, substituir o medo de mudar pela coragem de fazer coisas novas, etc. etc.
Portugal teve coisas muito más desde a glória frágil e efémera dos séculos XV e XVI: inquisição, ocupação castelhana, terremoto, invasões francesas, espoliação colonial, I República desastrosa, ditadura salazarista, guerra, emigração, caos revolucionário. Tivemos isso tudo e outras nações tiveram ainda pior. Nos últimos 100 anos, não tivemos guerras internas como tiveram a maior parte dos países europeus, incluindo a Espanha com uma guerra civil devastadora entre 1936 e 1939. Curiosamente, há quem diga que talvez aí resida uma parte da nossa inferioridade: o facto de termos estado afastados das guerras mundiais não nos teria puxado pela iniciativa necessária à reconstrução. O que implica uma visão positiva ou pelo menos benigna das guerras. Por exemplo, os 30 gloriosos (entre 1945 e 1975) teriam a sua principal explicação na "abençoada" II guerra mundial...
Beneficiámos enormemente com a adesão à CEE, mas de forma inquinada: com subsídios e crédito fácil, não fizemos investimentos suficientemente reprodutivos nem alterámos tanto quanto deviamos o que produzimos nem como produzimos. As infraestruturas modernizaram-se, a habitação/urbanização explodiu (tantas vezes de forma desordenada ou exibicionista), o consumo aumentou e sofisticou-se, a educação massificou-se (o que não significa que melhorou), o Estado Social cresceu a partir de níveis incipientes, os salários subiram mais do que a produtividade e por isso é que os sectores mais expostos à concorrência internacional são tão vulneráveis e voláteis. Agora crescem mas logo depois sofrem, dependendo da dinâmica dos principais concorrentes com especialização e factores de competitividade semelhantes.
O país criou modos de vida que não são sustentáveis a não ser que muita coisa mude. Hábitos, comportamentos, cultura, formação. Ora, isso tudo é intangível e leva tempo e provoca sacrifícios. Dir-se-á que é preciso começar por algum lado, por pequenos gestos e iniciativas nas famílias, nas escolas, nas empresas, nas repartições. Mas, mais uma vez, isso leva tempo e requer um sistema claro de incentivos e de penalidades. Isto é: as pessoas e as organizações devem ser recompensadas (ou punidas) por desempenharem bem (ou mal) as suas funções. Se não for assim, deixamos à boa vontade, à militância ou ao proselitismo a mudança. Ora, a sociedade desenvolveu-se no sentido do individualismo e do hedonismo que tornam esses conceitos patéticos. Esse sistema de incentivos tem de se basear numa autoridade clara, legitimada pela competência e pela visão. Aqui é que o problema se complica porque também não temos elites com essas características.
A maior parte dos dirigentes actuais têm entre 40 e 65 anos, gerações que se formaram e cresceram (em poder) no final da ditadura (com todos os estigmas associados) e durante o período (fértil) de instabilidade do PREC e anos seguintes. Gente ligada a uma certa universidade de antanho e a uma burguesia tradicional, essencialmente provinciana, apesar das aparências (grandes interesses mais do sul do que do norte) ou arrivista e gaiteira (pequenos interesses do norte), gente muito trabalhadora e engenhosa, eventualmente ligada a uma internacionalização subalterna, mas com limitada substância, orgulhosa da ostentação, com o passo mais comprido do que a perna. Temo não podermos esperar grande coisa desta malta.
Isto quer dizer que a crise financeira vai-se resolver, com mais ou menos FMI, mas certamente com os sacrifícios da classe média a crédito que se foi criando nas últimas décadas. Assim as criaturas se convençam de que não podem continuar no regabofe, o que não é evidente ou isento de riscos (incluindo psicológicos) dado o dramatismo da mobilidade social descendente. Daqui a 2 ou 3 anos, teremos porventura as contas em ordem, mas, a médio/longo prazo, ou caímos numa estagnação sensata ou em mais aventuras (financiadas por quem?) que nos levarão aos mesmos buracos.
A única esperança serão, daqui a 20 anos, os jovens que agora têm entre 15 e 25 anos, os filhos dos tais das gerações falhadas, cobaias das reformas (ou convulsões) do ensino, do consumo, dos costumes e da família e que não são "tubos digestivos que caminham e fornicam". Com um bocado de sorte, ainda cá estarei para ver se essa malta, com uma cabeça apesar de tudo mais aberta, lúcida e ambiciosa, ocupa como deve ser os lugares de direcção desta nossa desditosa pátria e escolhe estratégias virtuosas para nos tirar da persistência do atraso que - quero acreditar - não tem nada a ver com factores genéticos.
Sem comentários:
Enviar um comentário