O Estado tem-se demitido das suas funções tradicionais de assegurar a prestação de bens e serviços públicos de qualidade. O próprio Estado, sob a pressão dos interesses privados, define territórios cada vez mais limitados da sua intervenção, vende ou subcontrata actividades que eram do domínio público. O âmbito dos chamados bens públicos estreita-se: já não são as infra-estruturas de energia, de transporte, de telecomunicações, já não é a educação ou a saúde, já não são amplas áreas da segurança e da justiça. Então o que resta dos bens públicos? O que é que o mercado não pode fornecer? Em que condições e a que preço? A questão não é técnica. Não se trata de uma modificação do conceito de bem público de há 50 anos a esta parte. Rivalidade e exclusão continuam a ser os principais elementos da definição. A questão é ideológica. Alegadamente, o Estado cresceu demais durante os 30 Gloriosos, sob a influência do keynesianismo, provocando rigidez e desperdício na economia e asfixiando os contribuintes. Agora é preciso reduzi-lo para dar a primazia à iniciativa privada, verdadeiro Santo Graal de uma economia livre, eficiente e virtuosa. E se daí resulta um agravamento das desigualdades sociais, concentremo-nos no seu amortecimento, através de rendimentos mínimos e do incentivo à passagem rápida do desemprego à ocupação. Aí reencontramos algum Estado. E essa abordagem é partilhada pela direita e pela esquerda, com variações apenas quanto à intensidade e duração das medidas.
Contudo, parece que o verdadeiro problema social é o da inflação. E para isso existem soluções técnicas e organismos independentes do poder político para as aplicar… Após uma intervenção discreta das autoridades, quando atinge valores excessivos e compromete a paz social, o desemprego (normal) é considerado sobretudo um problema individual que a própria iniciativa das pessoas atingidas deve resolver. De outra maneira cair-se-ia no assistencialismo e na subsídio-dependência, assim se diz…
Essencialmente, estamos no domínio da auto-restrição do poder político e da transformação dos políticos em meros gestores, rendidos à ditadura dos recursos escassos. Os argumentos utilizados são frequentemente o da eficiência e o da putativa necessidade de reduzir o défice. O Estado, assim, renuncia ao seu poder de império e comporta-se como se fosse uma empresa privada, como se as suas despesas e receitas fossem as de uma grande empresa, governada por uma lógica própria, interna, alheia aos interesses colectivos. Muitas vezes, o Estado esquece-se que a sua própria poupança se traduz em custos acrescidos para os utentes dos serviços. Esses custos, por sua vez, têm como reverso os lucros dos prestadores privados desses serviços. Afinal para que serve o Estado? Para contribuir para o bem-estar dos cidadãos? Para se sobrepor às lógicas privadas que não criam necessariamente uma comunidade? Para gerir contratos generosamente assinados com empresas privadas? Para transferir recursos de uns sectores para outros sectores da população e da economia? Com que critérios de equidade ou de eficiência? Para olhar para as contas em permanência com se fosse um merceeiro?
Acho que os políticos se demitiram e dado o número daqueles que arranjaram bons empregos no sector privado não me restam dúvida das razões que os motivaram.
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