domingo, setembro 02, 2007

O carrossel do crédito

A coisa é simples. Os bancos, ciosos de aumentarem as suas margens de lucro e de fazerem sempre mais crédito, emprestam a quem não pode pagar. Mas não faz mal porque metem esses empréstimos duvidosos (“sub-prime” ou “junk”) em fundos de investimento que são subscritos por investidores, na maioria pequenos e mal informados, mas àvidos de rendimentos acima dos dos depósitos a prazo. Tudo parece andar bem enquanto as taxas de juro são baixas e o reembolso do capital dos ditos empréstimos não chega ao vencimento. Quando essas duas coisas se invertem o incumprimento dos "pobres" devedores passa de... alta probabilidade... a cruel realidade. Então, os bancos começam a executar as hipotecas, pondo mais e mais casas à venda, o que acelera a descida dos preços do imobiliário. Os particulares vêem o seu património desvalorizado e a sua solvência em perigo no que se refere também a outras formas de crédito (designadamente, ao consumo) garantido pelo valor dos imóveis.

A cotação dos fundos de investimento reflecte as menos-valias do crédito mal-parado e os “incautos” investidores fazem-se cada vez mais numerosos a solicitar o resgate das unidades de participação nos fundos. As sociedades gestoras dos fundos, normalmente filiais de bancos, não têm tesouraria para efectuar todos esses reembolsos e vão ao mercado monetário pedir emprestado, o que provoca uma subida das taxas de juro de curto prazo. Perante esta pressão, os bancos centrais têm de injectar liquidez no sistema, emprestando aos bancos comerciais, para moderar a subida das taxas de juro e para evitar a insolvência das sociedades gestoras de fundos e dos bancos mais vulneráveis.

A tensão continuará até que perca quem deve perder... isto é, essencialmente, os bancos que emprestaram a quem não deviam emprestar com base em critérios imprudentes. Também perdem os particulares que ficam em situação de insolvência e que têm de vender património para reembolsar (parte das) dívidas ou reduzir o seu consumo. Perdem os proprietários de imóveis cujo valor cai e os construtores e vendedores cuja oferta se deprime. Talvez existam boas oportunidades para quem tenha liquidez e possa aproveitar os preços baixos para comprar.

O problema atingiu uma tal amplitude que o próprio Bush (insuspeito assistencialista...) pretende criar um fundo para ajudar as famílias mais frágeis e super-endividadas. Esse dinheiro, no fim de contas, pelo menos parcialmente, vai acabar nas tesourarias dos bancos sob a forma de reembolsos de empréstimos que, de outra maneira, nunca seriam efectuados. Dependendo das modalidades concretas dos esquemas de ajuda, eles podem traduzir-se em mais um mecanismo de “moral hazard”, isto é, seja o que for que os bancos façam de errado, beneficiam sempre do apoio directo ou indirecto do Estado, dado o impacto sistémico das suas actividades. Mais uma história de colectivização dos prejuizos e de privatização dos lucros.

Quanto às taxas de juro, apesar dos efeitos recessivos da “correcção” acima descrita, presumo que continuem a aumentar no curto/médio prazo, por causa dos receios dos bancos centrais, reais ou imaginários, em relação à inflação, transformada em elixir da estabilidade e da bondade macroeconómica. E o aumento das taxas de juro só vai agravar ainda mais a situação dos excessivamente endividados, quer dizer, daqueles para quem as prestações da dívida excedem uma percentagem razoável do rendimento disponível que alguns estimam, em média, em 30-35%. Et ainsi de suite... bancos, hipotecas, preço das casas...

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