segunda-feira, setembro 24, 2007

Aeroportos

Há sítios onde vive gente que mais parecem aeroportos. Não são verdadeiros aeroportos... mas está tudo de passagem. As relações são superficiais como quando se está na fila para o "check-in" e se tem um paleio de circunstância com o sujeito que está à frente ou atrás. Toda a gente fala muitas linguas, toda a gente é simpática q.b. mas a relação não pega. É fugidia, tangente, breve, eficaz sem deixar qualquer rasto, sem acrescentar qualquer coisa, sem atravessar a crosta de que é feita a sociabilidade mais elementar. Depois do "check-in" vai-se para a porta de embarque e espera-se a chamada. E ali continua a conversa da treta.

É como em certos sítios onde vive gente que nunca se compromete, mas que é simpática.

[É o mínimo que se pode dizer de alguém: que é simpático(a). Sabe-me sempre a pouco... De qualquer maneira, é melhor do que filho da puta.]

No máximo, cordial. Mas, depois do embarque, desaparecem, primeiro dentro do avião e depois à chegada aos destinos mais insondáveis. E não fica nada. Só fumo. Nem sequer uma leve recordação de um rosto ou de uma voz ou de uma frase menos trivial. Gente que vai, gente que vem, gente que nunca está ou que vive sempre noutro lugar, com a cabeça fora do corpo, longe. E essas pessoas, às vezes, inventam encontros e festas com Semelhantes, vazios e perdidos numa viagem alucinante como eles. E aí têm a impressão de ter amigos, de criar alguma ligeira cumplicidade. Que não incomoda. Mas é só impressão. São só conhecidos, parceiros de uma solidão que se ilude com esses encontros de que não fica nada. Literalmente nada, excepto uma solidão ainda mais pesada, cada vez mais pesada.

São assim as cidades das criaturas hiper-individualistas e do "melting pot" étnico, nacional e cultural.

Arrisco-me a ser acusado de xenofobia ou de racismo, mas tenho sérias dúvidas àcerca da solidez e da qualidade dos laços sociais entre gente de diferentes proveniências que vivem numa certa sociedade. Naturalmente, é preciso promover a tolerância e o intercâmbio entre pessoas diferentes. Mas, para além dos discursos politicamente correctos e das boas intenções, o que se produz frequentemente são comunidades bem integradas (para dentro) de pessoas com afinidades culturais e linguísticas, mas impermeáveis (surdas) em relação ao exterior. O multiculturalismo tende a transformar-se numa diversidade de comunidades com uma identidade forte que apenas se justapõem, que comunicam pouco ou dificilmente umas com as outras, que se intersectam o mínimo indispensável para evitar conflitos. E "sociedade" passa a querer dizer colecção de comunidades sem verdadeiro diálogo ou troca entre si. Em que as pessoas são estrangeiras depois de ultrapassado o limiar da comunidade restrita que lhes dá uma identidade.

2 comentários:

Cristina disse...

Acho que cada vez mais há a atitude do "tá-se bem", não me comprometo. Pessoas porreiras, nada de "más ondas", amigos de divertimentos. Defesas? Individualismo?
Parabéns pelo blog.
Bjs

Miguel disse...

Obrigado. Sejas sempre bem-vinda.