quarta-feira, julho 18, 2007

Crónica de Verão

Quando era pequeno íamos à praia em Agosto, ao domingo, à Figueira. A minha avó fazia o arroz de galinha na véspera. Acordávamos cedo e lá íamos no carocha branco, BF-62-01, com a trouxa habitual. Não havia auto-estrada e a viagem era longa e enfadonha. Chegávamos à praia por volta das 10 horas e já havia muita gente no areal, verdadeiros militantes da coisa : lancheiras orgulhosas por todo o lado, putos barulhentos, mães e avós gordas, pais a ler o jornal e a ouvir o rádio e a fazer de conta que não viam a gaja boa a manear as ancas à beira-mar. O sol subia e as pessoas torravam na toalha, bezuntadas de Nivea (aquele do boião azul…), à espera das 3 horas fatídicas da digestão. Entre o meia-dia e a uma, era o assalto ao mar chão de Buarcos. A àgua estava sempre fria como o diabo, os lábios ficavam roxos, mas a coragem dos veraneantes não tinha limites. Quase se disputavam centímetros de àgua e dar uma braçada mais larga podia ser uma bofetada no parceiro do lado. Voltava tudo para a toalha onde o suor do sol se sucedia ao tremor do frio. E a avó propunha sempre uma bolachinha e um Compal, mesmo se o almoço não tardava. Pois bem, o almoço era inevitavelmente debaixo dos pinheiros da Serra da Boa Viagem (quando ali havia pinheiros porque agora só há arbustos, depois de terem queimado aquilo tudo...). O arroz de galinha saía do Tupperware à mistura com uns bolinhos de bacalhau e tudo o resto. Depois, vinha a maldita sesta. Os pais e a avó dormiam como peregrinos estafados e eu e a minha irmã não viamos o tempo passar, fartos de tanto abandono e preguiça. Às vezes, aventurava-me na floresta, mas era pequeno e tinha medo e não ía longe, voltando para junto dos meus, que continuavam a dormir, para meu desespero. Finalmente, lá íamos embora, serra abaixo até à praia, que não parecia a mesma, mais vazia, com uma cor pálida, fustigada pela nortada. A areia entrava por todo o lado, na mais recôndita prega do nosso corpo. Extenuados de tanta resistência acabávamos por ir embora para a fila dos carros que regressavam. Parávamos ao crepúsculo em Montemor, numa fonte branca e misteriosa, à beira do Mondego e lá vinham os restos do arroz de galinha, do Compal e do pão de ló. Cansados mas felizes tornávamos a casa e o Domingo fechava-se na noite que cobria o saudoso carocha, entre pinháis e campos de arroz nas margens do Mondego.

1 comentário:

Anónimo disse...

Este post faz-me lembrar as ferias na casa alugada de Buarcos; os almocos de arroz de frango na (entao bela) Serra da Boa Viagem (arroz de frango esse que a minha avo embrulhava sempre em jornais para nao arrefecer); os jantares no Teimoso e o regresso a casa: os lanches de pasteis em Tengugal; uma paragem para correr e esticar as pernas no castelo de Montemor; as pontes de ferro e os campos de arroz nas margens do Mondego.

Deve estar tudo muito diferente. Ja nao faco essa viagem desde Agosto de 1976. Triste e zangada por me fazerem abandonar tudo e todos, pedi a minha mae para irmos a Serra da Boa Viagem uma ultima vez. Adorava a Serra da Boa Viagem.

Teresa (outra crianca nos anos 60)