Há histórias que, por serem tão verdadeiras, não se devem contar (pelo menos, com clareza...).
Estou a ler "Ontem não te vi em Babilónia", o último romance de A. Lobo Antunes. A escrita de Lobo Antunes torna-se simplesmente hipnótica. O sentido não se apresenta, tem de descobrir-se. No princípio, parece apenas uma amálgama de palavras combinadas de forma original, mas é preciso perseverar, não se deixar abater pela loucura das frases interrompidas, e o sentido aparece como um castelo fantástico emergindo de uma bruma densa. É preciso deixar-se andar, ligar A com B (nem sequer é preciso paciência...), entrar na linguagem própria do autor, no seu labirinto de implícitos e mal-entendidos. Lobo Antunes inventou uma outra lingua portuguesa, feita também de um português alucinante e alucinado que se apodera do leitor como um estupefaciente. Página a página, chega-se a dormitar ao som das palavras que se sucedem, algumas vezes doces, quase sempre cruéis, evocando histórias pesadas e traumáticas. Ainda não sei bem do que se trata (há tema, concerteza... para além da forma compulsiva e meteórica), mas há muitos traumas no meio daquela floresta de palavras, passados que se erguem violentos e insuportáveis para angustiar presentes que teimam em não acabar. Infâncias arruinadas, famílias e casamentos e terras e casas e cães e Marias Emílias e criadas e docinhos do tio do Luxemburgo, com a amargura de uma inocência quebrada abruptamente. E por aqui me fico. Leiam ou melhor: deixem-se controlar por essa torrente de pensamentos escritos como quem conta uma história embriagado. Alucinem-se.
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