Faz amanhã um ano que começaram os motins na periferia das principais cidades francesas. Os primeiros incidentes graves ocorreram em Clichy-sous-Bois, nos arredores de Paris. Depois de uma fase inicial de desnorteio, as autoridades tomaram conta da situação e, nos meses seguintes, anunciaram medidas de luta contra as razões (alegadamente, profundas) do fenómeno: mais investimento em equipamentos sociais, mais oportunidades de emprego para os jovens de todas as côres e raças, rejuvenescimento da habitação social, etc. Os presidentes de câmara das chamadas "cités" difíceis queixam-se de muita propaganda e de pouca acção por parte do governo central. O mal-estar subsiste, em surdina, aproveitando, porém, a mínima oportunidade para se exprimir de forma violenta. A quantidade de carros particulares e de veículos de transporte colectivo vandalizados ou incendiados não cessa de aumentar. Os motoristas de autocarro recusam-se a trabalhar em vários percursos da periferia parisiense, pelo que, na prática, deixou de haver serviço público de transporte em certos bairros. As cenas de violência urbana multiplicam-se. As forças policiais são atacadas de forma organizada. As escolas de bairros sensíveis são autênticos braseiros. Teme-se que o aniversário de amanhã seja pretexto para a erupção de uma nova onda grave de violência. A polícia de choque do Sr Sarkozy está atenta. Através da repressão poderá eventualmente conter as desordens, mas "o problema" continua, sempre mais ameaçador, também para o "centro" da sociedade francesa.
O verdadeiro problema é muito complexo e foi sendo criado ao longo de décadas: imigração descontrolada; armazenamento de pessoas em caixotes de cimento, totalmente estranhos aos contextos de proveniência; ausência de integração, perda de identidade ou criação de guetos sociais, raciais e culturais; apesar das declarações politicamente correctas, discriminação no acesso ao trabalho, à habitação e à sociedade de consumo; falsa tolerância através de apatia sistemática perante uma criminalidade que se foi instalando.
Nos anos 80, os Estados Unidos reagiram a fenómenos deste tipo, essencialmente, através de uma repressão policial sem tréguas e de programas que conduziam, mais ou menos, à escolha entre a miséria e o trabalho "forçado" e mal pago. O resultado está longe de ser satisfatório, não obstante a calma aparente. Não creio que essas receitas sejam desejáveis ou sequer praticáveis no contexto de uma sociedade como a francesa.
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