Os senhores Raghuram Rajan e Luigi Zingales escreveram um livro em 2003 intitulado "Saving Capitalism from the Capitalists". Na versão que li, a "obra" tem 390 páginas, das quais 20 cheias das mais ubiquas referências bibliográficas. Desisti ao fim de 50 páginas. A tese é simplesmente a seguinte: os problemas actuais das sociedades capitalistas devem-se a uma interpretação distorcida e a uma aplicação errada do capitalismo pelos próprios capitalistas. Estes últimos introduzem elementos de protecção, de nepotismo e de corrupção que desvirtuam os nobres princípios fundamentais do sistema que são a livre iniciativa, o mercado, o mérito, o trabalho duro, a igualdade de todos perante a Lei que defenda a propriedade privada, etc. Bastaria libertar o capitalismo de todas as restrições aos seus pressupostos virtuosos muitas vezes criadas por políticos com a boca cheia de interesse geral, para que o mundo capitalista fosse um paraíso de ordem e de prosperidade. Portanto, o mal do capitalismo não é a sua teoria que transpira de eficiência e de moralidade e que se baseia numa visão realista do Homem: um Homem cioso de liberdade e centro de responsabilidade individual. O mal do capitalismo é o modo como é levado à prática pelos capitalistas que deveriam ler as obras de Smith, Ricardo, Walras, Keynes, Marshall ou Friedman antes de tomar as decisões que os fazem ricos ou que lhes permitem aumentar a riqueza que herdaram.
Curiosamente, este argumento também é utilizado, em certos meios, em relação ao socialismo. A teoria marxista seria "boa", constituiria um guião coerente para construir uma sociedade sem classes, na qual o interesse colectivo e a solidariedade suplantariam o egoísmo individual. O problema teriam sido as burocracias e as "nomenklaturas" que teriam estragado tudo na prática, que se teriam perpetuado no poder à custa do povo e alegando falsamente os supremos interesses desse mesmo povo.
Teorias "boas" conduziram, pois, a realidades concretas que desmentiram as predições teóricas. Mas, não há boas teorias que levem a más práticas. A qualidade de uma teoria define-se pela correcção com que interpreta a realidade e pela maneira como a permite transformar.
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