sexta-feira, junho 30, 2006

Juliette

Juliette é uma pessoa perturbante. Quando me cruzo com ela no corredor sinto frio na espinha. Os olhos disparam sarcasmo e destilam um ódio subtil condimentado com um sorriso mortífero. Não tem a ver só comigo. Ela é assim com toda a gente, com o mundo. Concentra-se de tal maneira nos seus objectivos que esquece os outros, ou melhor, considera-os apenas inimigos potenciais, obstáculos fastidiosos.

Juliette é alta, veste-se como um homem, normalmente de escuro. Às vezes até põe gravata, uma gravata fina como o gume de uma faca. Não há qualquer fantasia ou redundância no seu vestuário. Tem umas olheiras fundas e permanentes que lhe dispensam uma pintura de guerra. São olheiras de uma incansável vigília. Juliette não pode dormir, não pode descansar, não pode deixar de calcular os passos certeiros dos sucessos que tardam. É como a corda de um violino impecavelmente afinado. Juliette tem cabelos finos, castanhos e longos. A sua face é comprida, crua e linear. Tem um perfil de Lucrécia Borgia, de aristocrata que deve descer ao mundo para afirmar a sua óbvia superioridade. Juliette é magra, mas tem uma pequena barriga porque sofre do estômago, porque lhe passa demasiada maldade pelas tripas.

Juliette é casada e tem 3 filhos. Não consigo imaginar o marido, nem o afecto que falta àquelas crianças. Devem olhar desconfiadas para essa mãe que nunca está, que foge, que fala com uns olhos de aço, que as treina para serem galgos. Já vi essas crianças. São bonitas, disciplinadas, educadíssimas, exibem um sorriso de capa de revista de puericultura. Falta-lhes só serem crianças... O marido nunca o vi, mas diria que é fundamentalmente dispensável. Pode apenas criar problemas com as suas fantasias de pai de família. Qual família ? Mais parece uma alcateia guiada por Juliette.

Juliette é um autêntico cabo de alta tensão. Quando tenta ser simpática, sai-lhe apenas um arremedo, um sorriso forçado e ambíguo de quem está a ir além do que pode. Quando tenta ser neutra, lança um olhar cortante como se estivesse iminente uma agressão física que só não sai por pudor burguês. Naturalmente, Juliette não precisa tentar ser agressiva... porque essa é a sua natureza.

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