segunda-feira, fevereiro 20, 2006

O senhor aqui ao lado é o Presidente da França, Jacques Chirac. Está em fim de mandato. Está doente e cansado. A acreditar nas sondagens, os franceses estão fartos dele.

Esteve nestes dias na India, acompanhado de um autêntico batalhão de diplomatas e homens e mulheres de negócios que constituem a sua corte. Tinha de ir à India depois de há alguns meses ter ido à China, porque são esses países que estão a dar e que podem proporcionar mais lucros às empresas francesas nos próximos anos. Em ambos os casos, tentou vender aviões Airbus, energia nuclear da Areva, combóios e turbinas da Alstom e outras quinquilharias. Chegou ao ponto de se pronunciar de modo bastante conclusivo àcerca da tentativa de compra hostil da Arcelor pela Mittal (ver aqui), dizendo que era uma operação puramente financeira, não solicitada, sem projecto industrial, etc. O Presidente indiano nem pestanejou, mas o Sr. Mittal foi à televisão do seu país queixar-se de que tinha sido vítima de uma atitude racista por parte das autoridades francesas...

O que me chateia é esta coisa de ter homens de Estado a comportar-se como se fossem banais homens de negócios, para não lhes chamar caixeiros-viajantes dos respectivos capitalismos nacionais. Bem sei que nesta era de globalização e de concorrência internacional desenfreada, a diplomacia é cada vez mais diplomacia económica. A noção de Estado-empresa impõe-se cada vez mais, como se as Nações fossem unidades macro de tomada de decisão económica, como se o interesse nacional se confundisse com o êxito de um punhado de campeões nacionais em sectores considerados estratégicos, como se o mundo fosse uma Olimpíada em que se confrontam as grandes empresas dos vários países participantes. E disso se faz ampla publicidade. E disso se alimentam a reputação e o esplendor dos contendores.

Apenas duas entre várias reticências que se podem levantar em relação a esse quadro: a) as grandes empresas, verdadeiramente globais, têm cada vez menos Pátria e quando a têm é uma espécie de Pátria de conveniência (essencialmente, por motivos fiscais); b) a economia e o bem-estar das Nações dependem essencialmente das unidades económicas de menor dimensão, pese embora o chamado impacto estruturante (subcontratante) das grandes empresas. Bem sei que a França continua a ser um dos países mais colbertistas do mundo (dir-se-à... inevitavelmente!), alimentando uma grande promiscuidade entre sectores público e privado, drenando recursos consideráveis para uma política voluntarista de favorecimento dos campeões da economia nacional. Ainda recentemente foi publicada uma lei que impede a participação estrangeira em empresas pertencentes aos chamados sectores sensíveis (casos da defesa, alta tecnologia, etc.). Não obstante uma certa evolução no sentido do liberalismo económico (ilustrada por privatizações "en demi-teinte"...), a França (de esquerda e de direita) continua essencialmente proteccionista, para não lhe chamar (exageradamente) absolutista. Está-lhe na massa da cultura, "le culte de l'État", "le pouvoir régalien".

Mas, mesmo que tenha de ser assim, que diabo!, não haverá outros dispositivos mais discretos e igualmente eficazes de diplomacia económica que poupem a figura rídicula de caixeiro-viajante ao Presidente da Républica do país da liberdade, igualdade e fraternidade? Não haverá outros desígnios, igualmente grandiosos, em que ele possa aplicar o resto das suas energias, na defesa dos interesses da França?

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