Nos tempos que correm, é cada vez mais usual a apologia e (o que é pior) a prática da cultura do stress. Muitas organizações estimulam a pressão sobre o pessoal, alegadamente, para manter a concentração na performance e na prossecução dos supremos objectivos institucionais. A competição é estimulada das formas mais diversas e exuberantes : os prémios são amplamente publicados ("emulação capitalista"), as promoções festejadas com folclore, o sucesso emoldurado em "histórias felizes", sucessivos planos de reestruturação são anunciados (mesmo que as empresas continuem a exibir resultados invejáveis), faz-se constar que certo número de postos de trabalho poderá ser suprimido e que apenas os "melhores" poderão continuar, aumenta-se a componente variável das remunerações, isto é, a que depende da "produtividade" e que, quase sempre, não conta para efeitos de descontos para a segurança social (e cada um depois que se governe), contrata-se pessoal qualificado com contratos a prazo a troco de um salário algo acima da média, etc.
Trata-se muitas vezes de stress artificial, construido, programado, não determinado por ameaças exteriores à empresa ou pela vontade de aproveitar novas oportunidades.
É stress ex-nihilo.
Por exemplo, muda-se o ambiente informático, quase obrigatoriamente, todos os dois anos, mesmo que o existente funcione bem e o novo tenha uma superioridade duvidosa e custe um horror de dinheiro. Actualiza-se os procedimentos, sempre por putativas razões de eficiência, apesar da instabilidade e das disfunções que isso possa provocar durante períodos mais ou menos longos. Redistribuem-se as pessoas por unidades velhas ou novas, obrigando-as a adaptar-se, a aprender (também o que é desnecessário), a lutar por um novo "lugar ao sol" que, de qualquer modo, se sabe à partida, durará bem pouco.
Emprego para a vida e horário da 9 às 5? That's over... Finito... Fini...
A primeira coisa que um novo chefe deve fazer é mudar, não importa o quê. Disso depende a constatação (e a "utilidade") da sua chegada... Tive um patrão que, com um sorriso impiedoso nos lábios, costumava dizer: "Os quadros das empresas são como os violinos: as cordas devem estar sempre bem esticadas - senão, não vibram como deve ser!". Sacana do caraças.
E os dogmas ideológicos que sustentam esse frenesim da mudança pela mudança são: a contínua ameaça da "globalização" (que asfixiou as conquistas do pós-guerra na Europa), a "flexibilidade", a "capacidade de adaptação" (ou "versatilidade"), a crescente "velocidade para responder aos desafios competitivos", etc, etc. Acabaram a paz, a tranquilidade, a descontracção, a preguiça, a solidariedade. Os indíviduos encontram-se cada vez mais atomizados, partes de contratos individuais com entidades muito mais poderosas e, muitas vezes, opacas.
Todos tensos como as cordas de um violino, até ao dia em que as cordas se partem de tanta tensão e o violino deixa de tocar e a vida passou depressa, depressa demais. E há investigadores que tentam provar (pagos por quem?) que o stress faz bem, que a sua quebra pode provocar um perigoso esmorecimento dos sistemas imunitários... Que vão àquele sítio!
E depois, há todos os imensos milhões de seres humanos (quase todos) que vivem como se não houvesse alternativa, que não podem senão jogar o jogo do stress (que para eles se torna, infelizmente, bem real)... por uma questão de SOBREVIVËNCIA. O jogo da bio-economia e da bio-política, que se infiltra nos nervos, nos raciocínios e nas emoções. Divinização do Homo Oeconomicus. Fatalidades insalúbres. Tomar o que parece pelo que é.
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