terça-feira, novembro 29, 2005

A BATATA (I)

Farto de tanto derrotismo e depois de cogitar longamente àcerca do remédio para as maleitas da Nação, cheguei à conclusão de que a solução está na BATATA. Na BATATA, sim senhor! Para quê tanto diagnóstico, tanto debate, tanta queixa, tanto desespero, tanta acusação e tanta crítica? A BATATA dá-nos um futuro radioso, põe um ponto final na decadência secular que nos tem atrofiado, esconjura todas as ansiedades e, sobretudo, irradica a nossa falta de auto-estima. A nossa querida e proverbial falta de auto-estima que tentamos debelar através de uma procura peregrina de uma identidade e de um destino que valham a pena, que galvanizem a Nação.

Adoro a palavra galvanizar. Faz-me lembrar tubos galvanizados, operários que aconselham, dentro de oficinas a cheirar a óleo, a metais e a sanitas mal higienizadas (!), a melhor solução para o parapeito da sacada com vista maravilhosa sobre a linha do combóio... Tubos galvanizados à parte - dizia eu - a solução está na BATATA.

Mas, por que carga de àgua a BATATA. Logo a BATATA, esse tubérculo insignificante que já foi planta ornamental em palácios da nobreza renascentista, antes de substituir a saborosa castanha à mesa dos europeus. As razões são múltiplas e fundadas. Direi, mesmo, estruturantes... Aqui está outra palavra magnífica que enche a boca de eloquência e de credibilidade. Uma palavra que subentende leituras sofisticadas, pesquisas laboriosas, vistas largas. Só pessoas inteligentes, como o Gabriel Alves ou o António Esteves Martins, incluem “estruturante” no seu vocabulário. Para o Gabriel Alves a estratégia do Koeman é estruturante. Para o Esteves Martins, quando fala de Bruxelas em frente à sede da Comissão Europeia, são necessárias medidas estruturantes. Estruturante é qualquer coisa de amplo, ambicioso, global que inclui todas as vertentes do assunto, mesmo que não se saiba quais são. “Vertentes”: outra de se lhe tirar o chapéu...

Enfim, estruturante é fixe, não tão fixe quanto o Mário Soares, a seu tempo, mas anda lá perto. Mais uma divagação periférica em relação à BATATA e apesar da “vacuidade” das eleições presidenciais (para utilizar a feliz expressão de António Barreto): decididamente, o Soares já não é fixe, ou melhor, tenta ser pateticamente fixe. Parece uma velhota que, depois de vários anos rodeada de naftalina, a venerar o crucifixo, passa noites a fio na discoteca a ouvir os Duran Duran até cair cansada e rendida ao seu destino atroz.

Esta introdução é mais um exemplo da incapacidade de certos portugueses em ir ao âmago da questão. A malta precisa de preparar o terreno, de guarnecer o tema com floreados, de sobrevoar o problema antes de o escalpelizar (nem pensar em resolvê-lo – o gozo acabaria depressa demais – é como os preliminares...).

Também adoro "escalpelizar". Essa faz-me lembrar peles vermelhas e as carnifícinas no grande Oeste Americano que os putos da minha idade aceitavam com ignorância e bonomia, se protagonizadas pelo nosso grande herói Bufalo Bill nos pequenos quadradinhos a preto e branco dos livros de cóbois que custavam vinte e cinco tostões (colecção "Falcão").

Desculpem, mas por hoje estou farto. Contudo, asseguro-vos que a solução está mesmo na BATATA. Desvendá-la-ei nos próximos episódios, prometendo menos devaneios e contando com a vossa putativa paciência. Também adoro "putativa". Adivinhem porquê... É melhor ficar hoje mesmo por aqui!

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