Ela tem à volta
de 50 anos, ele está prestes a fazer 60; começaram a namorar há 29 anos e
fizeram 25 anos de casados no outro dia. Não tiveram filhos.
Gosto muito dos
dois (também não tenho que viver com eles) mas sou a primeira a reconhecer que
aquele casal de compatível pouco ou nada tem: ela gosta de ler, ele admite
nunca ter lido um livro na vida; ela gosta de escrever, ele mal escrever sabe;
ela gosta de cultura e comida requintada, para ele filmes que não sejam de
acção ou com efeitos especiais são “boring”, diverte-se com a fantochada do
World Wresting Entertainment (WWE) e não é de muito boas maneiras à mesa; ela
gosta de ter conversas profundas, ele prefere falar do tempo, de desporto ou de
fulano/beltrano/sicrano; enquanto ela gosta de ir ao Teatro, ou ao cinema, ou
ao ballet, ou a um concerto de música clássica ou jazz, ele despreza tudo isso
e prefere recarregar as baterias vendo os tais filmes de acção ou jogos de
football americano, baseball ou NBA; ela é muito minuciosa, niquenta, organizada
e arrumadinha, ele um desleixado de 1ª categoria. Ela tem uma mente muito
aberta (fruto, talvez, de já ter vivido em vários sítios); ele mora na mesma rua
desde que nasceu e vive muito virado para o seu próprio umbigo; ela tem um
mestrado, ele o 12° ano; ela diz que aprecia (e aprende) com experiências
novas, ele é muito conservador e não gosta de mudança. Ele nem com um
computador sabe trabalhar – felizmente que não é obrigado a o fazer no local de
trabalho. Nem um nem outro usa aliança.
Durante anos
fizeram tudo para esconder o que se passava dentro das suas quatro paredes;
hoje estão-se borrifando para o que os outros possam pensar daquelas tristes
cenas. Disse-me ela que já não dormem juntos há anos e que para evitar ainda
piores ambientes quando se encontram ambos em casa que passam a maior parte do
tempo em andares diferentes. Até os horários em que tomam as refeições não
coincidem, de modo a evitar ainda mais fricção.
Lembro-me muito
bem daquele dia de Novembro em que se casaram. Quando mandei um e-mail à minha
amiga a desejar-lhe um “Happy Anniversary” e a perguntar o que iam fazer para
celebrar, respondeu-me da seguinte maneira: “Thank you, it’s been 25 years in Purgatory. Celebrate what? There’s nothing to celebrate
and even if there were we wouldn’t be in agreement.” Tive pena dela. Tenho pena deles.
Já me chegou a
dizer que esta é uma situação que lhe está a dar cabo dos nervos e a afectar a
saúde; não precisava de o admitir. Vê-se bem. Diz que não se divorciam porque é
caríssimo e também por razões económicas; que o futuro é demasiado incerto, que
nem um nem outro sabem quando saem de casa de manhã se terão emprego quando regressarem
à noite; e que assim é mais fácil porque, ao menos, já sabem o que esperar um
do outro. E depois lembra-me sempre de um casal nosso amigo que fizeram a vida
negra um ao outro quando se divorciaram e diz que não quer acabar como eles –
lá nisso concordo com ela!... Entretanto só fala num vazio na alma que não sabe
como preencher. Serão estas razões válidas para que duas pessoas, em princípio
inteligentes, continuem numa situação destas?
E assim é a
relação destes meus dois amigos, e assim é a relação de muitos casais de meia
idade. Pergunto eu: isto é viver?
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