São quatro os assuntos sobre os quais evito
escrever: Economia (por
ignorância e, para ser franca, também por ser uma matéria que não me desperta
grande interesse – embora goste de ler o trabalho de um ou outro
economista. Além disso, há por aqui
alguém que percebe muito mais do assunto e cuja opinião merece todo o respeito
– muito mais do que a minha.) Política (por
ser um tema que, frequentemente, me leva para todo o tipo de injustiça,
egomania, canalhice, arrogância e lutas desenfreadas pelo poder – tudo coisas
que me dão muita volta ao estômago e causam-me hipertensão.) Religião e Fé (por este ser um tema demasiado pessoal, porque as
minhas crenças estão longe de ser convencional – pelo menos pelos padrões
ocidentais – e porque não quero parecer que estou a querer convencer ninguém
com as minhas ideias.) Relatos da minha vida privada (porque,
francamente, acho que não dizem respeito a ninguém e também porque acho que não
são de interesse geral)
Disse que evito escrever
sobre estes temas, não que nunca os abordarei aqui, neste forum. É o caso deste
post que se segue a um documentário que vi na televisão há uns tempos atrás sobre
a proliferação de cidades fantasmas na China e que me tem andado a remoer
na cabeça desde então. Este documentário surpreendeu- me,
despertou-me interesse e deixou-me
confusa e intrigada. Tudo ao mesmo tempo – e é por isso que não consigo
ficar calada.
São
abismais as diferenças entre a China de hoje e a China da minha adolescência;
mas até ver este documentário, confesso não estar ciente da magnitude do
eventual risco para a economia chinesa (e para a economia mundial) das actuais
políticas económicas.
Pelos vistos, desde que as autoridades chinesas começaram a autorizar os
cidadãos a comprar as suas próprias casas, o investimento imobiliário tem
crescido de tal maneira que cidades inteiras começaram a surgir por todo o lado
a um ritmo vertiginoso...tal qual pipocas num microondas. Até aqui tudo bem,
não fosse este crescimento de betão sem limites nem rédeas (muito dele inspirado pelo design ocidental e
imitando locais emblemáticos como Paris e Manhattan) desprovido de habitantes. Tudo vendido
e tudo vazio; por exemplo, uma destas cidades-fantasma no interior da Mongólia,
construída para abrigar um milhão de pessoas, agora não passa de uma concha
vazia de arranha-céus desocupados e locais de construção abandonados. “Miles,
and miles, and miles...of empty apartments” diziam no documentário. Já em Thames
Town, uma réplica de uma vila inglesa
que custou cerca de $1B U.S. a construir, a única indústria é a dos casamentos,
por ser um local favorito dos recém-casados para tirar fotografias “fazendo de
conta” que estão na Europa.
Porque o dinheiro depositado nos bancos pouco ou nada rende e os mercados
são a montanha russa que se sabe, estes investidores compram apartamentos a
torto e a direito com a benção (e ajuda) do governo chinês: “So what they do is they invest in property
because property prices have always gone up by more than inflation”. É esta
a explicação oficial. Por isso não é de estranhar ver esta nova classe de
“novos-ricos” a investir todo o seu dinheiro em imobiliário, muitos comprando
entre 5 a 10 apartamentos...para depois ficarem vazios.
O mercado imobiliário é fundamental para a economia chinesa; o principal
motor de crescimento dos últimos anos (representando cerca de 25% da economia).
Mas não são só apartamentos; trata-se, também, de “cidades gigantes” com todas
as infra-estruturas presentes nas maiores cidades por esse mundo fora, mas sem
os habitantes de uma cidade de pequena ou média dimensão: “between 12 and 24 new cities every single year” com centros
comerciais enormes e completamente vazios, salvo reclames falsos de companhias
verdadeiras (KFC, Apple, Starbucks, Piaget, Zara, H&M, entre outras) a
“fingir” que têm as lojas alugadas: oferta não existente para procura
inexistente.
As autoridades chinesas, obcecadas com o crescimento do PIB, resolveram
ignorar um conceito fundamental de economia (oferta/procura/equilibrio) para
praticar "construir agora, vender mais tarde." Fizeram-no através de expropriações abusivas de terrenos, especulação, credito fácil e subsídios. E assim se ignoram os desejos e necessidades do consumidor, assim como a
disponibilidade de produtos alternativos (complementares/substitutos) e o
conceito de “marketing mix” ? Ou são
estes conceitos exclusivos a uma economia de mercado? É precisamente
isto que faz muita confusão a esta minha cabeça de leiga. What am I missing
here?
Depois
também há o seguinte: é que imobiliário que fica abandonado durante muito tempo
deteriora-se e desvaloriza. E como os camponeses que chegam às grandes cidades (muitos
desalojados depois de verem as suas casas demolidas para dar lugar a
condomínios vazios) não têm meios para os comprar, das duas uma: ou os investidores baixam os preços e perdem porradas de dinheiro, ou criam um
problema social de magnitude jamais vista.
Então será ver a estagnação e até a desvalorização
de imóveis, uma queda livre dos preços de venda das unidades de
habitação; gerações de investidores perdem todo o seu dinheiro
e 50 milhões de construtores civis ficam sem expectativa de trabalho. Poderá
sair daqui alguma coisa boa? Qual será o resultado final desta
política e práticas económicas locais neste mundo globalizado em que vivemos?
Ao fim de contas não se trata de nenhum país periférico, mas sim de o eventual colapso de “a maior
bolha imobiliária na história da humanidade” na segunda maior economia do mundo (que, por sinal, tem relações económicas e financeiras muitos
estreitas com a maior economia do mundo... e que está prestes a derrubar a 1ª
economia mundial do pódio). Pode ser que então os “todos poderosos” que controlam as nossas
vidas de meros mortais se apercebam, de uma vez por todas, que talvez a
globalização de cultura e ideias seja mais importante do que a globalização do
mundo das finanças. Entretanto, arrepio-me só de pensar nas
consequências.
Este documentário fez-me lembrar o
livro “The Return of Depression Economics” (Paul Krugman) recomendado pelo
economista residente cá do sítio. Para quando aprender com os erros do passado,
os nossos e os dos outros? Fiquei com uma sensação de “dejá vu”, de “history
repeating itself”, de “vulcão adormecido .” Vê-lo foi, também, uma experiência
um tanto surreal;
imagino o que não será apreciar e digerir aquilo tudo ao vivo... Stay tuned!
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