domingo, outubro 27, 2013

As cidades fantasmas da China: implicações para a economia mundial?



São quatro os assuntos sobre os quais evito escrever:  Economia (por ignorância e, para ser franca, também por ser uma matéria que não me desperta grande interesse – embora goste de ler o trabalho de um ou outro economista.  Além disso, há por aqui alguém que percebe muito mais do assunto e cuja opinião merece todo o respeito – muito mais do que a minha.) Política (por ser um tema que, frequentemente, me leva para todo o tipo de injustiça, egomania, canalhice, arrogância e lutas desenfreadas pelo poder – tudo coisas que me dão muita volta ao estômago e causam-me hipertensão.) Religião e Fé (por este ser um tema demasiado pessoal, porque as minhas crenças estão longe de ser convencional – pelo menos pelos padrões ocidentais – e porque não quero parecer que estou a querer convencer ninguém com as minhas ideias.) Relatos da minha vida privada (porque, francamente, acho que não dizem respeito a ninguém e também porque acho que não são de interesse geral)

Disse que evito escrever sobre estes temas, não que nunca os abordarei aqui, neste forum. É o caso deste post que se segue a um documentário que vi na televisão há uns tempos atrás sobre a proliferação de cidades fantasmas na China e que me tem andado a remoer na cabeça desde então. Este documentário surpreendeu- me, despertou-me  interesse e deixou-me confusa e intrigada. Tudo ao mesmo tempo – e é por isso que não consigo ficar calada.

São abismais as diferenças entre a China de hoje e a China da minha adolescência; mas até ver este documentário, confesso não estar ciente da magnitude do eventual risco para a economia chinesa (e para a economia mundial) das actuais políticas económicas.

Pelos vistos, desde que as autoridades chinesas começaram a autorizar os cidadãos a comprar as suas próprias casas, o investimento imobiliário tem crescido de tal maneira que cidades inteiras começaram a surgir por todo o lado a um ritmo vertiginoso...tal qual pipocas ​​num microondas.  Até aqui tudo bem, não fosse este crescimento de betão sem limites nem rédeas  (muito dele inspirado pelo design ocidental e imitando locais emblemáticos como Paris e Manhattan)  desprovido de habitantes. Tudo vendido e tudo vazio; por exemplo, uma destas cidades-fantasma no interior da Mongólia, construída para abrigar um milhão de pessoas, agora não passa de uma concha vazia de arranha-céus desocupados e locais de construção abandonados. Miles, and miles, and miles...of empty apartments” diziam no documentário. Já em Thames Town, uma  réplica de uma vila inglesa que custou cerca de $1B U.S. a construir, a única indústria é a dos casamentos, por ser um local favorito dos recém-casados para tirar fotografias “fazendo de conta” que estão na Europa. 

Porque o dinheiro depositado nos bancos pouco ou nada rende e os mercados são a montanha russa que se sabe, estes investidores compram apartamentos a torto e a direito com a benção (e ajuda) do governo chinês: “So what they do is they invest in property because property prices have always gone up by more than inflation”. É esta a explicação oficial. Por isso não é de estranhar ver esta nova classe de “novos-ricos” a investir todo o seu dinheiro em imobiliário, muitos comprando entre 5 a 10 apartamentos...para depois ficarem vazios. 

O mercado imobiliário é fundamental para a economia chinesa; o principal motor de crescimento dos últimos anos (representando cerca de 25% da economia). Mas não são só apartamentos; trata-se, também, de “cidades gigantes” com todas as infra-estruturas presentes nas maiores cidades por esse mundo fora, mas sem os habitantes de uma cidade de pequena ou média dimensão: “between 12 and 24 new cities every single year” com centros comerciais enormes e completamente vazios, salvo reclames falsos de companhias verdadeiras (KFC, Apple, Starbucks, Piaget, Zara, H&M, entre outras) a “fingir” que têm as lojas alugadas: oferta não existente para procura inexistente.

As autoridades chinesas, obcecadas com o crescimento do PIB, resolveram ignorar um conceito fundamental de economia (oferta/procura/equilibrio) para praticar "construir agora, vender mais tarde." Fizeram-no através de expropriações abusivas de terrenos, especulação, credito fácil e subsídios. E assim se ignoram os desejos e necessidades do consumidor, assim como a disponibilidade de produtos alternativos (complementares/substitutos) e o conceito de “marketing mix” ? Ou são estes conceitos exclusivos a uma economia de mercado?  É precisamente isto que faz muita confusão a esta minha cabeça de leiga. What am I missing here?

Depois também há o seguinte: é que imobiliário que fica abandonado durante muito tempo deteriora-se e desvaloriza. E como os camponeses que chegam às grandes cidades (muitos desalojados depois de verem as suas casas demolidas para dar lugar a condomínios vazios) não têm meios para os comprar, das duas uma: ou os investidores baixam os preços e perdem porradas de dinheiro, ou criam um problema social de magnitude jamais vista.  Então será ver a estagnação e até a desvalorização de imóveis, uma queda livre dos preços de venda das unidades de habitação; gerações de investidores perdem todo o seu dinheiro e 50 milhões de construtores civis ficam sem expectativa de trabalho. Poderá sair daqui alguma coisa boa? Qual será o resultado final desta política e práticas económicas locais neste mundo globalizado em que vivemos? Ao fim de contas não se trata de nenhum país periférico, mas sim de o eventual colapso de “a maior bolha imobiliária na história da humanidade” na segunda maior economia do mundo (que, por sinal, tem relações económicas e financeiras muitos estreitas com a maior economia do mundo... e que está prestes a derrubar a 1ª economia mundial do pódio). Pode ser que então os “todos poderosos” que controlam as nossas vidas de meros mortais se apercebam, de uma vez por todas, que talvez a globalização de cultura e ideias seja mais importante do que a globalização do mundo das finanças. Entretanto, arrepio-me só de pensar nas consequências. 
 
Este documentário  fez-me lembrar o livro “The Return of Depression Economics” (Paul Krugman) recomendado pelo economista residente cá do sítio. Para quando aprender com os erros do passado, os nossos e os dos outros? Fiquei com uma sensação de “dejá vu”, de “history repeating itself”, de “vulcão adormecido .” Vê-lo foi, também, uma experiência um tanto surreal; imagino o que não será apreciar e digerir aquilo tudo ao vivo... Stay tuned!

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