quinta-feira, março 21, 2013

O refinanciador (venham os chineses...)

Quanto à existência de um país ou entidade supra-nacional que desempenhe o papel de refinanciador (ou de prestamista em última instância) no contexto de uma união monetária em processo de divergência, chamo a atenção para duas questões relacionadas: 1) o “poder de fogo” necessário para que essa função seja efectivamente desempenhada perante a grandeza dos problemas existentes e a contabilidade a curto e a longo prazo que o eventual candidato a essa função irá fazer, entre perdas e ganhos financeiros e geo-estratégicos; 2) o “moral hazard” que tal pode provocar e a necessidade de não descurar os desequilíbrios económicos fundamentais no meio de uma contínua urgência financeira.

Agarrando sumariamente (porque teriamos pano para mangas) em cada um desses pontos:

1) Na UE, metendo de lado por um momento o orçamento de estado alemão ou o próprio banco central alemão, a unica entidade que teria esse “poder de fogo” seria o BCE. Mas, isso significaria ultrapassar o dogma anti-inflacionista para poder actuar massivamente antes que seja tarde demais. Outro candidato seria o banco central chinês que tem vindo a acumular reservas formidáveis que não são outra coisa do que o reverso de uma moeda nacional persistentemente subavaliada. O governo chinês tem demonstrado interesse em aumentar os seus interesses económicos (tambèm) na Europa. A participação em processos de privatização (em Portugal, EDP e REN) e a compra de títulos de dívida pública são provas disso mesmo. O sonho em fazer do yuan uma moeda de reserva (como tem sido o dolar) faz parte da estratégia expansionista chinesa. Não creio que a Reserva Federal Americana tenha neste momento “pulmão” ou genuino interesse em desempenhar a função de credor em última instância da Europa, apesar de poder sofrer significativamente do seu colapso (mas que parte do mundo não sofrerá?). Quanto à Alemanha, tudo depende de quanto tiver a perder não fazendo outra coisa senão apelar a mais austeridade, versus o custo do desempenho dessa função que, em termos muito simples, passaria por assumir o risco de pagar as dívidas dos países insolventes. Não se pode esquecer que, em muitos casos, a ajuda a esses países não é outra coisa senão ajuda aos seus próprios bancos e empresas exportadoras. Ou seja, tratar-se-ia de transformar vendas de bens e serviços em doações, sendo que, no entretanto, essas exportações multiplicaram emprego e produção na própria Alemanha. Quanto ao BCE, tendo o poder de criar moeda, estará a ajudar a pagar dívidas com inflação, o que arrastará múltiplos efeitos (também na esfera cambial), no interior da união monetária bem como na sua relação com o resto do mundo. Dados os seus benefícios resultantes de um forçado “status quo” da união monetária, a par das suas próprias políticas (mercantilistas) de contenção salarial e de ganhos de produtividade, é compreensível a resistência da Alemanha a essa “solução”.

2) Criar uma rede permanente e incondicional conduz à displicência, ao risco moral. Ou seja, os comportamentos podem continuar a ser enviezados do lado da despesa e da ineficiência porque haverá sempre uma entidade terceira a pagar as consequências. Como quando se tem um seguro relativamente barato. Uma das coisas essencias na governação de um sistema de economia capitalista é o mecanismo de incentivos. Os agentes têm de se sujeitar a prémios e penalidades correctos para se atingir determinados fins politicamente definidos. De outra maneira, geram-se anomalias e rendas que se traduzem em situações de desperdício e de injustiça. Isto funciona no seio de uma economia nacional e, talvez por maioria de razão, no seio de uma união monetária, sendo que o risco de os dados estarem viciados à partida é grande quando não existe um mínimo de homogeneidade entre os estados-membros ou medidas comuns eficazes para assegurar uma convergência para tal homogeneidade. A coisa complica-se sobremaneira quando falamos de estruturas sociais e políticas, de culturas, de histórias, de linguas, de leis muito diferentes. O elogio da diversidade pode esvair-se perante a constatação da força dos interesses nacionais num contexto de crise aguda como aquela que estamos vivendo. O desempenho da função de prestamista de último recurso não pode ser um paliativo para debilidades estruturais. O socorro em situações de ruptura financeira não deve adiar “ad infinitum” as reformas de fundo para restabelecer a competitividade. Cancros não se curam com pensos rápidos. Ou, em alternativa, sai-se da união monetária, se possivel de forma ordeira, e fazem-se as reformas possiveis, com calma, para ter o nível de vida possivel. Não se pode pedir aos Povos mais do que podem dar. Não se pode prometer aos Povos menos do que podem alcançar. Mas, cada um deve ser considerado, não como uma folha de papel quadriculado, perfeitamente lisa, mas como uma realidade complexa, social e historicamente determinada.

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