Numa situação de difícil negociação como aquela em que se encontra Portugal perante os seus credores externos há que identificar claramente quem tem a perder o quê. Da resposta a essa questão resulta saber quem tem que tipo de Poder. Começo por referir que a palavra “negociação” pode mesmo ser considerada ousada neste contexto porque Portugal encontra-se mais numa posição de absoluta dependência do que qualquer outra coisa. É preciso tomar consciência de que a soberania desapareceu a partir do momento em que deixámos de ter livre acesso aos meios financeiros para pagar salários aos funcionários públicos ou para importar medicamentos. O governo de Portugal limita-se a tomar medidas para convencer o FMI, o BCE, a União Europeia e outros credores de que um dia poderá pagar as suas dívidas. Se essas entidades tiverem dúvidas quanto a isso (por boas ou más razões) não desembolsam os fundos de que precisamos para pagar os salários ou os medicamentos. Infelizmente, a coisa é tão simples quanto isso e é lamentável que ande por aí tanta gente a fazer de conta de que manda alguma coisa ou a mandar palpites sobre como a coisa poderia ser diferente.
Emoções, ilusões e presunções à parte, volto à minha questão: que argumentos tem Portugal? Um só: o dinheiro que pode fazer perder aos credores externos! Essa é uma linguagem simples que eles percebem. Estão-se nas tintas para a fome e para o desemprego, para a solidariedade, para a justiça ou falta dela. O que eles querem é o dinheiro de volta sem perdas nem atrasos. De resto, parece-me normal da parte de quem empresta dinheiro e não vou entrar (por agora...) no debate sobre de quem é a culpa do endividamento excessivo: dos credores imprudentes ou dos devedores insaciáveis? Portugal deve chamar os credores à mesa da renegociação para os alertar de forma inequívoca para os riscos de perderem dinheiro, para o facto de poderem estar a prejudicar os seus próprios interesses ao avalizar políticas que, asfixiando a economia, asfixiam a capacidade de serviço da dívida por parte do devedor-Portugal. Ou seja: os credores deverão começar a pensar numa reestruturação da dívida no seu próprio interesse, mais do que no interesse de Portugal. Reestruturar antes pode implicar eliminar (ou reduzir) perdas depois. É evidente que o dilema para os credores consiste em determinar se esse momento já chegou ou se vale a pena continuar a esticar a corda, esperando que do sofrimento extremo do devedor não resulte uma quebra de que sofram “in fine” também os credores. Trata-se de um jogo de poker perigoso, acentuando os sacrifícios de muita gente inocente.
Mas quem são os credores externos desses cerca de 200 mil milhões de dívida pública? Essencialmente bancos e fundos internacionais que têm aproveitado os empréstimos do chamado sector oficial (p.ex. FMI, BCE, UE) para se pirarem. É preciso não esquecer que os saques no quadro dos empréstimos da Troika servem para reembolsar dívida que se vence e que não é refinanciada com outra dívida do mesmo tipo (dívida privada). O que quer dizer reestruturação da dívida? Prolongamento de prazos, redução de taxas de juros, desconto do valor nominal da dívida (os famigerados “haircuts”), subordinação a outros credores, reforço dos empréstimos do sector oficial (um novo resgate). Nada disso será feito de ânimo leve porque, de um modo ou outro, significa perdas de alguém. Mas, outra coisa não quer dizer a presunta insustentabilidade da dívida. Os credores só vão entrar nessa lógica quando se sentirem puxados para uma estratégia de minimização de perdas, isto é, quando o conceito de perda se apresentar como inevitável. A solução ideal seria convencer os credores de que darem tempo e meios ao crescimento (provavelmente, perderem alguma coisa no imediato) seria a melhor estratégia para favorecer a capacidade de serviço da dívida a médio/longo prazo, noutras palavras, para estabelecer a famosa sustentabilidade da dívida.
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