Com as alterações da taxa social única (tsu) pretende-se produzir um efeito idêntico ao da desvalorização cambial (que não se pode fazer por termos o euro). Ou seja: através do abaixamento do custo do trabalho pretende-se melhorar a capacidade das empresas de praticar preços mais baixos nas exportações. O sucesso de uma tal estratégia depende, porém, de tantas e heróicas hipóteses que parece mais uma miragem ou uma tentativa desesperada de meter a realidade a funcionar ao ritmo do modelo. Senão vejamos.
Dependendo dos sectores, o custo do trabalho representa no máximo entre um quarto e um terço do total do preço de venda, pelo que, uma alteração dessa parcela gera um efeito limitado. O resto são energia (a tal que beneficiaria de tantas rendas…), matérias-primas, outros consumos intermédios, o custo do capital físico (depreciação) e financeiro (juros) e a margem de lucro das empresas. Da redução dos rendimentos líquidos do trabalho não deve resultar qualquer impacto negativo sobre a produtividade. Também se considera que não há problema em consequência da contracção da procura interna; pelo contrário, esse será mais um efeito virtuoso, dada a pretensão de transferência de recursos da procura interna para a externa. Deve-se supor também que as empresas repercutem a totalidade dessa economia de custos (e da poupança da tsu da responsabilidade do empregador), numa redução dos preços de venda, isto é, que não aproveitam para aumentar a margem. Deve igualmente considerar-se que o factor preço será determinante de um aumento de quota de mercado. Ora a venda de bens e serviços ao estrangeiro, sobretudo de bens e serviços mais sofisticados, depende de muitos outros factores tais como a qualidade, o design, a logística, os prazos de entrega, os volumes, etc. Os bens e serviços que se vendem somente em função do preço não serão aqueles que convém incentivar: nesses a batalha está perdida desde há muito para países como a China ou a India.
Suponho que as alterações da tsu (pagam menos os patrões e mais os trabalhadores) seriam substancialmente neutras para o financiamento da segurança social, não estando de qualquer modo previstas melhorias nos serviços prestados aos cidadãos pela dita segurança social, o que levou pessoas como Bagão Félix a dizer que se trata de uma grosseira adulteração do conceito de taxa.
Considerando uma tal opção como criativa, o próprio FMI demarcou-se dela dizendo que haveria outras hipóteses (como um aumento dos impostos) para recuperar a folga da eliminação dos subsídios de natal e de férias que foi perdida por causa da sua inconstitucionalidade. Porque, se bem compreendo, está-se a falar de compensar esse efeito e não de resolver a derrapagem do défice que vai para além desse efeito. Assim, mais poupança terá de ser obtida, acentuando a espiral descrita no post anterior intitulado (D-R)/Y.
Já agora, gostei do que disse Pacheco Pereira ontem num artigo do jornal Publico. Se não existem alternativas, para que serve o governo? Acrescento eu: nesse caso não precisamos de um "governo político" (!), mas sim de um "governo técnico" que execute competentemente uma receita única. Pode ser mesmo um governo formado por representantes das entidades (FMI, BCE) de que depende a capacidade do Estado de pagar salários aos funcionários públicos. Sem ir tão longe, essa já é de algum modo a situação em Itália com o governo Monti, um governo de gente supostamente competente que veio em socorro de um país à deriva no meio de um berlusconismo grotesco e de uma classe política essencialmente inútil.
PS: Portugal perdeu ontem o campeonato da Europa em hóquei em patins para a Espanha ao sofrer um golo a 6 segundos do final da partida. Espero que não seja mau presságio para o programa de ajustamento em curso… Que não se perca a partida na parte final do prolongamento!
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