Os jogos olímpicos giram à volta de performance, recordes mais ou menos de aviário, até à mais ínfima unidade de medida, vitórias e derrotas, esforço mais ou menos desmesurado e cada vez mais científico para atingir medalhas que simbolizam a grandeza (também desportiva...) das nações. A participação das nações nos jogos é apadrinhada pelos mais altos governantes, normalmente com grande pompa e circunstância, com discursos inflamados de encorajamento e de exaltação patriótica. As delegações são estimuladas por chefes de estado e de governo a superar-se na busca da glória, porque de glória colectiva também (ou sobretudo) se trata.
Os jogos são uma representação altamente mediatizada (e só na aparência lúdica) da competição encarniçada que cresce entre as nações. Custa a aceitar como é que anos de treinos, de sacrifícios, de sonhos, de desejos, como é que rios de dinheiro investidos na perícia e nos músculos dos atletas se podem esvair ou consagrar em apenas alguns minutos ou segundos, perante as câmaras de televisão de todo o mundo. Como é que tanta frustração ou euforia podem depender de coisas tão efémeras, contingentes. Esta realidade algo cruel que rodeia a minoria dos que, à escala global, reúnem resultados e apoios para se qualificarem para esta grande feira de ambições é edulcorada por discursos de confraternização universal, de reunião multicultural, de busca permanente de perfeição e da ultrapassagem dos limites dos seres humanos, máquinas destinadas a sofrer para ter sempre mais, em vez de gozar com o tanto (ou pouco) que já podem ter conseguido. A cultura dos jogos olímpicos actuais é uma cultura de insaciedade, de permanente insatisfação que apenas pode ser redimida através de uma competição desenfreada, naturalmente com regras, mas puxada ao extremo.
Depois fala-se dos jogos antigos, de Pierre de Coubertin e de outras curiosidades para legitimar a fleuma dos jogos. Também se diz que não há nada de novo e chama-se à memória os jogos de Berlim de 1936, oportunidade para Hitler celebrar uma putativa superioridade ariana. Tudo bem, mas as imagens que passam na televisão, o dramatismo, a tristeza, a depressão que marcam certas derrotas, como se se tratasse de coisas decisivas, muito para além do interesse e orgulho individuais, a histeria que rodeia certas vitórias, tudo isso, infelizmente, parece consonante com a tensão que caracteriza cada vez mais a realidade politica, económica e militar à escala mundial. O mundo está a precisar de cooperação, de entendimento, de diálogo, de generosidade dos mais fortes e de apoio aos mais fracos. Precisa-se de vitórias dos mais fracos, não tanto da consagração feérica da superioridade dos mais fortes.
Os jogos olímpicos actuais simbolizam valores que talvez estejam na génese de muitos dos problemas que tornam o nosso futuro colectivo menos auspicioso. Os jogos representam uma “guerra doce”. Mas uma guerra, de resto, muito lucrativa para marcas, publicitários, televisões, atletas, etc.
1 comentário:
http://www.youtube.com/watch?v=heAw4z71lvo
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