domingo, julho 15, 2012

Proteccionismo

O argumento começa assim: os produtores dos países campeões dos direitos humanos, da protecção social e do crescimento sustentável são vítimas da concorrência selvagem dos produtores dos países criminosos da mão-de-obra infantil, dos salários de miséria, da ausência de regras quanto à segurança no trabalho e à protecção do ambiente, da inexistência de qualquer protecção social.

[Pequeno parêntesis: lembram-se da Coreia do Sul nos anos 1960 e 1970? Era acusada de tudo isso! Protegeu esses factores “indecentes” de competitividade com o apoio activo (e autoritário) do Estado e saiu de uma situação de economia rural atrasada para uma de potência industrial. Infelizmente, o único factor de competitividade dos países pobres é a pobreza... até dela sairem... e poderem aplicar as políticas dos países virtuosos! Parêntesis fechado.]

Portanto, os países virtuosos devem proteger as suas economias... sem descurar a melhoria dos factores de competitividade nos sectores convencionais e um esforço de “upgrading” do padrão de especialização, privilegiando actividades de mais alto valor acrescentado. O blá-blá do costume que vai de caras contra o facto de que o emprego não se cria, no imediato, dentro de laboratórios de investigação científica. O emprego cria-se no curto prazo onde se precisa de trabalho com as qualificações disponíveis. A capacidade para vender no exterior depende de factores quantitativos (volume e preço) e qualitativos (qualidade, fiabilidade, design, eficiência na distribuição, serviço após venda). Nos bens e serviços “banais”, que continuam a representar uma parte substancial das (nossas) exportações e que estão mais expostos à concorrência dos países pobres e criminosos, o preço desempenha um papel central e nesse preço incluem-se coisas como o custo global do trabalho e o custo de inputs materiais (essencialmente energia e outros consumos intermédios).

O custo do trabalho corresponde à massa salarial (onde se incluem salários directos e indirectos, estando nos últimos as contribuições para a segurança social e outros benefícios) a dividir pelo valor da produção. Ou seja, nesse conceito está implícita a produtividade. Mais produtividade permitirá reduzir o custo unitário do trabalho, podendo-se manter ou mesmo aumentar a massa salarial. Por conseguinte, não teremos de empobrecer para segurar a competitividade-preço se a produtividade aumentar. Mas, o aumento da produtividade não implica apenas investimento em capital mais sofisticado. Implica mudanças qualitativas nos modos de produzir, nos métodos de gestão.

Quanto aos consumos intermédios, o que é preciso é eliminar rendas de situação, monopólios ou oligopólios que geram lucros desmesurados para uns tantos accionistas à custa do sistema produtivo e dos consumidores domésticos. Liberalizar sectores como a energia, as telecomunicações e outras infraestruturas de base não deve ser uma questão ideológica mas um imperativo de eficiência económica e de justiça social. Quanto se ganha em competitividade internacional por cada ponto percentual de redução do retorno accionista excessivo das empresas dominantes desses e doutros sectores de bens e serviços não transaccionáveis?

Os últimos parágrafos desviaram-me (saudavelmente) do argumento de partida. Recomecemos! Depois de fazer um salto colossal por cima das considerações que fiz nesses (intempestivos) parágrafos, dir-se-ia, portanto, que o proteccionismo desempenharia uma dupla função: salvaguarda do tecido produtivo e dos empregos dos países virtuosos em que vivemos e arma (político-económica) para fazer vergar os países pobres e criminosos de modo a imporem aos seus produtores, o mais rapidamente possível, as virtuosas regras dos países de velha industrialização. Assim se restabeleceriam as condições de uma concorrência leal. O comércio internacional seria finalmente fantástico de um ponto de vista económico, ético e político.
Aceitemos por um momento esta ficção... porque a Economia vive de ficções (de “factos estilizados”). O proteccionismo só tem sentido para proteger indústrias nascentes (proteccionismo de List) ou no caso de contar com significativas economias de escala. Portanto, suponho que o proteccionismo de que se fala seria aplicável ao nível de grandes economias (como os Estados Unidos) ou de grandes espaços económicos (como a União Europeia), transformados em fortalezas face ao Resto do Mundo, dentro das quais a eficiência poderia continuar a ser perseguida. Talvez houvesse um ligeiro problema de prejuizo do bem-estar económico mundial, mas que se justificaria pelo incremento do bem-estar económico no interior de cada uma dessas fortalezas durante algum tempo, até que todo o Mundo fosse virtuoso, em consequência desse proteccionismo pedagógico transitório.

Mas como conceber um proteccionismo colectivo da UE face ao Resto do Mundo quando no seio da própria UE eclodem tendências proteccionistas nacionais? Ontem o novo Presidente de França disse que estava disposto a subsidiar a compra por franceses de automóveis politicamente correctos (híbridos, amigos do ambiente, etc.) fabricados em França. Talvez a França tenha economias de escala que cheguem, mas um país como Portugal...

E depois, estamos a falar de que Resto do Mundo? Criteriosamente seleccionado segundo que critérios económicos e/ou políticos? Protecionismo por quanto tempo e até serem cumpridos que critérios de leal concorrência? Proteccionismo mediante que instrumentos? Taxas de câmbio? Barreiras aduaneiras? Especificações técnicas? Condicionalidade ambiental, social, politica? Proteccionismo hostil e unilateral ou negociado no âmbito da Organização Mundial de Comércio?

Parece-me que o proteccionismo como conceito seja uma manifestação de desespero e de impotência. Seria necessário admitir esta coisa elementar: a chegada dos pobres ao clube dos ricos (por meios seguramente pouco humanos e ecológicos, esperemos que transitoriamente) implicará sacrifícios durante algum tempo nos países ricos há muito tempo. Será inevitavelmente necessária a perequação de w/r com a convergência de K/L, num contexto em que o capital e o trabalho são cada vez mais móveis e, no âmbito de cada um deles, cada vez mais fungíveis.

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