Já muito se discorreu sobre o binómio Pingo Doce / 1° de Maio. Não quero chover no molhado. Reconheço-me, aliás, em muito do que disse e escreveu Pacheco Pereira (v. o seu artigo na página 54 do “Público” de hoje). Quero apenas deixar um singelo comentário adicional.
A lógica do Pingo Doce terá sido simplesmente a de pretender obter vantagens com a concessão de vantagens aos clientes. Não acredito que haja alguma conspiração ideológica. Contudo, a rede de supermercados deveria ter uma ideia das consequências da enormidade que estava a fazer, tendo em conta, sobretudo, o estado de pobreza e de necessidade em que se encontra o país. O que o Pingo Doce fez não se desvia do que outras empresas, como a Ryanair, fazem, isto é: dou-vos o que precisam ao preço da chuva; em troca, posso tratar-vos como me apetece, se necessário, como pedaços de merda com uma carteira com o pouco dinheiro que serve para pagar a mercadoria que vos vendo. Vender muito barato, tornar acessíveis certos bens e serviços em condições excepcionais, parece dar o direito ao vendedor de ficar com um bocado da dignidade do comprador, no limite, de o humilhar, premeditadamente ou involuntariamente. A obediência à mais primária vantagem económica, em que entre produtores e consumidores vigoram apenas os princípios da utilidade e da maximização de excedentes, baseados num putativo livre-arbítrio, não sobrevive a conceitos como a dignidade ou o respeito. A ficção do “homo economicus” não tem moral – apenas vontade. O Pingo Doce dirá que não obrigou as pessoas a andar à pancada nos seus supermercados, que não é responsável pela gula ou mesquinhez dos clientes. Que se limitou a dar-lhes incentivos. Mas, o mesmo não se pode dizer do estado a que o país chegou e que exorbitou os instintos mais primários dos “consumidores racionais”, transformando socialmente um Pingo Doce num infeliz Pingo Amargo!
1 comentário:
Nao sabia o que era o Pingo Doce, mas apos uma breve pesquisa fiquei a par do que se passou e a perceber o titulo do texto.
Realmente, “O que o Pingo Doce fez não se desvia do que outras empresas (…) fazem (…)” e e’ por isso que atribuo mais o modo como os consumidores se comportaram a natureza humana do que ao “estado a que o país chegou”. Alias, isto faz-me lembrar as noticias de Black Friday (dia apos o Thanksgiving, um feriado que calha sempre na ultima 5a feira de Novembro e que marca o inicio da quadra Natalicia – com todos os costumes e consumismo que isso implica) Todos os anos e’ a mesma coisa: apos um mes inteiro de publicidade aos precos –“doorbusters” – as grandes superficies abrem as portas (umas a meia-noite, outras de madrugada) a filas interminaveis de gente que se agatanha pelo privilegio de serem os primeiros a entrar. Depois, no dia seguinte as noticias sao sempre as mesmas: relatos de discussoes e insultos (zaragatas de toda a especie) feridos…e ate mortes. Por muito dificil que seja de crer, ja tem havido pessoas que morrem esmagadas em verdadeiros “stampedes” - faz lembrar os bufalos da pradaria nos filmes de cowboys and Indians -. Seguem-se as entrevistas com os afectados (todos contentes quando la chegaram e agora indignados) e as accoes em tribunal (lawsuits). Conheco pessoas da classe-media que, apesar de disso nao terem necessidade, todos os anos fazem disto um “ritual” sempre com o mesmo pretexto: “to get a deal” – dignidade e respeito que se lixem.
E’ por estas e por outras que cada vez mais me convenco que sao maiores as semelhancas entre os seres humanos do que as diferencas: the good, the bad and the ugly. Mas espero, sinceramente, que esta moda nao pegue ai.
Agora, acho “interessante” e’ terem estado abertos no 1º de Maio. Ainda me lembro quando o 1º de Maio era quase um “dia Santo”, o pais parava e ninguem trabalhava. Se por acaso tiveres um link para o artigo que referes, gostava de o ler. Merci.
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