Wow, wow, wow! 38 anos, Miguel? Ja’ vi que entendes que ao fim de quase 4 decadas a ingenuidade acabou, mas gostava de saber a tua opiniao sobre o que de resto mudou (para melhor e para pior). Faco esta pergunta por ter ouvido dizer que houve para ai uma sondagem qualquer a perguntar qual era a personagem portuguesa mais admirada e que Salazar ficou no topo da tabela. Quem me disse isto foi uma pessoa que me e’ proxima e que conheco bem, mas com a qual partilho ideias muito diferentes; esta pessoa usou os resultados da dita sondagem como “prova” de que Portugal estava melhor a 24/4/74. Como ja estou longe da situacao ha quase 36 anos e como respeito mais a tua opiniao do que a da dita pessoa, gostava de saber o que pensas. If it’s not asking too much. Thank you. Lembro-me da surpresa, da loucura, da inocencia, da alegria e optimismo contangiantes como se fosse ontem – seguindo pouco depois a confusao, a indignacao, a raiva…e a desilusao. A nivel pessoal foi uma fase bastante importante na minha vida e que me fez crescer (penso) muito mais depressa do que se nao tivesse vivido todos os acontecimentos da epoca. Acabou-se, de facto, a ingenuidade. Hoje sei que se chama a isso “coming of age.” E tambem nunca mais me esqueci do meu poster favorito (uma crianca – rapazito – de cabelito louro e encaracolado a colocar um cravo vermelho no cano da espingarda de um militar). E tambem me lembro de andar com um autocolante do Octavio Pato na capa do caderno a “fazer as delicias” do meu pai – autocolante esse que me tinha sido dado por um certo “melga” que entretanto cresceu e agora escreve para um excelente blog. Lembro-me de tudo isto como se tivesse sido ontem, mas fico estupefacta quando faco as contas aos anos. Thank you for reminding me that I’m turning into an old lady…a passos largos :-(
Portugal mudou enormemente. Essencialmente para melhor. Todos os indicadores de bem-estar económico e social melhoraram desde a queda da ditadura. Portugal ganhou liberdade de expressão, direitos cívicos, democracia. O país aproximou-se dos padrões de vida dos países mais desenvolvidos. Uma parte exagerada disso foi feita, porém, à custa de ajuda externa e de endividamento. Isto é: o país não criou uma base produtiva competitiva e sustentável, pelo que, a manutenção dos níveis de vida implicou um agravamento da dependência externa e um peso crescente e insuportável do Estado. Fizeram-se investimentos demasiado avultados em sectores de bens e serviços não transacionáveis, com rendibilidade económica duvidosa. A economia "aqueceu" exageradamente até chegar-se a um ponto de dívida excessiva, pública e privada. Para inverter essa tendência e voltar a ter acesso a financiamento externo foi necessário um acordo em Maio de 2011 com o FMI (o 3° desde o 25 de Abril), a União Europeia e o Banco Central Europeu que se traduziu em empréstimos de 78 mil milhões de euros, basicamente para permitir o reembolso de outros empréstimos que se venciam. Esse dinheiro foi concedido em contrapartida de um compromisso das autoridades nacionais em aplicar políticas que permitam a sua devolução num período de até 10 anos. Essas políticas são de ajustamento conjuntural (corte dos défices externo e do Estado, redução da dívida em comparação com a produção nacional) e de reforma estrutural. No último caso trata-se de criar as bases para aumentar a eficiência e a competitividade externa da economia, o que è tudo menos fácil mas absolutamente decisivo para, depois de tanta austeridade para resolver os desequilíbrios conjunturais, não cair nas mesmas armadilhas ou na estagnação ou no empobrecimento.
Portugal está, portanto, a passar por um período muito complicado, de grandes sacrifícios, não necessariamente partilhados da forma mais justa. E todos esses sacrifícios podem ser insuficientes ou inúteis se as condições externas, que Portugal obviamente não controla, evoluirem de maneira adversa. Uma grande parte do nosso destino dependerá, a curto prazo, do que se passar na Europa, sobretudo na Espanha. E a maneira como a União Europeia tem sido governada no meio de interesses nacionais claramente divergentes não augura nada de bom.
Eis como, em poucas palavras, tentei responder a uma questão tão ampla e complexa como a que colocaste.
3 comentários:
Wow, wow, wow! 38 anos, Miguel?
Ja’ vi que entendes que ao fim de quase 4 decadas a ingenuidade acabou, mas gostava de saber a tua opiniao sobre o que de resto mudou (para melhor e para pior). Faco esta pergunta por ter ouvido dizer que houve para ai uma sondagem qualquer a perguntar qual era a personagem portuguesa mais admirada e que Salazar ficou no topo da tabela. Quem me disse isto foi uma pessoa que me e’ proxima e que conheco bem, mas com a qual partilho ideias muito diferentes; esta pessoa usou os resultados da dita sondagem como “prova” de que Portugal estava melhor a 24/4/74. Como ja estou longe da situacao ha quase 36 anos e como respeito mais a tua opiniao do que a da dita pessoa, gostava de saber o que pensas. If it’s not asking too much. Thank you.
Lembro-me da surpresa, da loucura, da inocencia, da alegria e optimismo contangiantes como se fosse ontem – seguindo pouco depois a confusao, a indignacao, a raiva…e a desilusao. A nivel pessoal foi uma fase bastante importante na minha vida e que me fez crescer (penso) muito mais depressa do que se nao tivesse vivido todos os acontecimentos da epoca. Acabou-se, de facto, a ingenuidade. Hoje sei que se chama a isso “coming of age.” E tambem nunca mais me esqueci do meu poster favorito (uma crianca – rapazito – de cabelito louro e encaracolado a colocar um cravo vermelho no cano da espingarda de um militar). E tambem me lembro de andar com um autocolante do Octavio Pato na capa do caderno a “fazer as delicias” do meu pai – autocolante esse que me tinha sido dado por um certo “melga” que entretanto cresceu e agora escreve para um excelente blog.
Lembro-me de tudo isto como se tivesse sido ontem, mas fico estupefacta quando faco as contas aos anos. Thank you for reminding me that I’m turning into an old lady…a passos largos :-(
Portugal mudou enormemente. Essencialmente para melhor. Todos os indicadores de bem-estar económico e social melhoraram desde a queda da ditadura. Portugal ganhou liberdade de expressão, direitos cívicos, democracia. O país aproximou-se dos padrões de vida dos países mais desenvolvidos. Uma parte exagerada disso foi feita, porém, à custa de ajuda externa e de endividamento. Isto é: o país não criou uma base produtiva competitiva e sustentável, pelo que, a manutenção dos níveis de vida implicou um agravamento da dependência externa e um peso crescente e insuportável do Estado. Fizeram-se investimentos demasiado avultados em sectores de bens e serviços não transacionáveis, com rendibilidade económica duvidosa. A economia "aqueceu" exageradamente até chegar-se a um ponto de dívida excessiva, pública e privada. Para inverter essa tendência e voltar a ter acesso a financiamento externo foi necessário um acordo em Maio de 2011 com o FMI (o 3° desde o 25 de Abril), a União Europeia e o Banco Central Europeu que se traduziu em empréstimos de 78 mil milhões de euros, basicamente para permitir o reembolso de outros empréstimos que se venciam. Esse dinheiro foi concedido em contrapartida de um compromisso das autoridades nacionais em aplicar políticas que permitam a sua devolução num período de até 10 anos. Essas políticas são de ajustamento conjuntural (corte dos défices externo e do Estado, redução da dívida em comparação com a produção nacional) e de reforma estrutural. No último caso trata-se de criar as bases para aumentar a eficiência e a competitividade externa da economia, o que è tudo menos fácil mas absolutamente decisivo para, depois de tanta austeridade para resolver os desequilíbrios conjunturais, não cair nas mesmas armadilhas ou na estagnação ou no empobrecimento.
Portugal está, portanto, a passar por um período muito complicado, de grandes sacrifícios, não necessariamente partilhados da forma mais justa. E todos esses sacrifícios podem ser insuficientes ou inúteis se as condições externas, que Portugal obviamente não controla, evoluirem de maneira adversa. Uma grande parte do nosso destino dependerá, a curto prazo, do que se passar na Europa, sobretudo na Espanha. E a maneira como a União Europeia tem sido governada no meio de interesses nacionais claramente divergentes não augura nada de bom.
Eis como, em poucas palavras, tentei responder a uma questão tão ampla e complexa como a que colocaste.
Optima explicacao. Well done!
Thank you very much :-)
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