quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Factos estilizados

Considere-se um mundo tendencialmente de livre câmbio i.e. em que as barreiras à circulação de pessoas, bens e serviços são inexistentes ou moderadas. Noutros termos: imagine-se um mundo essencialmente não-proteccionista.

Países outrora pobres e rurais chegam à industrialização.

A remuneração dos trabalhadores desses países em termos reais e em sentido lato (i.e. incluindo condições de trabalho e direitos sociais) continua muito mais baixa do que nos países de velha industrialização.

O capital move-se muito mais do que o trabalho à procura de lucros mais altos. Ao contrário do salário, a taxa de lucro (incluindo diferentes prémios de risco) tende a igualizar-se mais rapidamente através do mundo. A fluidez do capital é maior no caso de sectores de tecnologia madura e de baixa incorporação de inovação e conhecimento.

Daqui resulta:

- a deslocação de cada vez mais actividades para os países em vias de industrialização;
- o desequilíbrio crescente da balança externa dos países de velha industrialização com menor "competitividade" (conceito vasto que não cabe aqui expandir);
- a pressão ao aumento da produtividade e/ou à redução de salários nos países de velha industrialização, inicialmente nos sectores tradicionais, mas gradualmente em toda a economia;
- enquanto os salários se mantiverem relativamente mais altos nos países de velha industrialização a imigração continuará, mas a ritmo decrescente, dado o aumento progressivo dos salários nos países de origem;
- a tentativa nos países de velha industrialização de "inventar" novas actividades menos expostas à concorrência internacional;
- a tendência ao aumento do proteccionismo.

De tudo isto pode concluir-se que a fonte estrutural da crise que a Europa atravessa actualmente se encontra na chegada de países outrora pobres e rurais a um estado superior de desenvolvimento. Contudo, como sempre nestas coisas de economia, conclusões demasiado gerais e apressadas arriscam-se a estar erradas. Porque: (a) nem todos os países de velha industrialização são vulneráveis da mesma maneira, dependendo do seu mercado interno e da força dos respectivos sistemas produtivos no mercado mundial; (b) os ditos processos de chegada dos países pobres a patamares superiores de desenvolvimento são tudo menos claros e rápidos.

E o desenvolvimento (como prolongamento do crescimento) é um conceito complexo e abrangente que vai muito para além da economia: liberdade, cidadania, democracia, direitos económicos e sociais.

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