sábado, novembro 19, 2011
O meu Zé
Regressei das compras de sobrolho carregado. Tanta gente desesperadamente a fazer de conta que não há crise, a comprar mimos e redundâncias, a decorar a auto-estima, a encher o carrinho de coisas obviamente indispensáveis como o chocolatinho para a avózinha ou a velinha barata para dar aconchego na sala. Mas, a carteira sempre mais vazia e a angústia do fim do mês e do Natal que se aproxima a prendas de saldo, compradas na feira dos ciganos ao lado da auto-estrada. E oxalá que o meu Zé não perca o emprego. Tem contrato a prazo, mas agora tudo é a prazo... como a própria vida. E assim como as coisas estão, o patrão não o vai renovar. Como era bom que o meu Zé fosse renovado, novinho em folha, com a força e a vontade doutros tempos. Como nos divertiamos à noite, depois da praia. Jovens, vigorosos, cheios de sal na pele e com sol a sair pelos olhos. Agora o meu Zé chega à cama e faz de conta que adormece. Não há heroismo que resista... Eu sei que as insónias do Zé estão cheias de facturas por pagar, de pequeninos sonhos destroçados. Dá voltas na cama como num carrosel. Coitado do meu Zé e de nós todos que andamos à maluca a fazer gincanas impossiveis na crise. Esta maldita crise que não se percebe. Chegou assim de repente, como um intruso, deixando-nos incrédulos a olhar para estes tipos engravatados que passam na televisão com sorrisos falsamente seguros. Andam à rasca porque não sabem o que fazer para resolver o imbróglio em que nos meteram. Todos perdidos. Num dia disparam com convicção que está tudo sob controlo, no dia seguinte os jornais dizem que a coisa só pode ainda piorar. E nós com a conta a minguar, o depósito do carro sempre no fundo à espera de mais uma gota de geração espontânea, o optimismo tão barato como os produtos brancos a que nos rendemos na prateleira do supermercado. Quem me dera poder dizer ao meu Zé que o pior já passou e que daqui a pouco compramos o novo modelo do Clio para substituir o nosso querido Uno que anda a cair de podre.
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2 comentários:
Podia resumir este comentario ao seguinte :-) mas so queria acrescentar que retratas muito bem o actual sentimento universal do desespero -- para nao falar no consumismo estupido tao proprio desta quadra que esta agora a comecar.
Acredita que e' um verdadeiro prazer ler estes posts/textos/cronicas/teses. Continuas com um sentido de humor porreiro. Espero que as duas melgas continuem com forcas para continuar a escrever joias destas. Achei este post girissimo.
Obrigado pelas tuas palavras. Gostei que tenhas gostado. Volta sempre :-)
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