Reestruturar a dívida quer dizer essencialmente não pagar uma parte da dívida (que parte?), reduzir a taxa de juro ou prolongar as datas de vencimento. Em qualquer caso, os credores (ou alguns deles...) receberão menos em capital e/ou em remuneração. Os credores que perderem dinheiro deixarão de querer emprestar por muitos anos (dinheiro perdido tem memória longa). Ou seja, a economia que entrar nesse processo terá de viver durante muito tempo exclusivamente com a sua própria poupança ou recorrer a "ajuda" externa de forma permanente (financiamentos do FMI e/ou da União Europeia).
A União Europeia (perdendo ou não perdendo dinheiro numa reestruturação?) estará disposta a entrar nesse jogo? Nestas coisas, o FMI tem estatuto reconhecido de credor privilegiado (em caso de escassez de meios, é o primeiro a ser reembolsado), pelo que, estou a supor que uma qualquer perda não afectará essa instituição. Esse estatuto de credor privilegiado é aceite normalmente pelos outros credores porque só com o contributo do FMI é que podem receber alguma parte dos seus próprios empréstimos. A União Europeia discute vivamente esse tema: quer um estatuto idêntico ao do FMI, o que significa relegar outros credores para uma posição subordinada o que, obviamente, os afastará ainda mais de novos financiamentos. Na escala dos reembolsos, ficariam "para depois" do FMI e dos fundos da UE. Portanto, para uma dada percentagem de perda do crédito total a um determinado país, a probabilidade de perderem aumenta com uma maior % desse crédito detida por credores privilegiados ou prioritários. A lógica da UE, sobretudo veiculada pelos alemães, é a seguinte: os credores privados não podem ficar imúnes a perdas de crédito com a protecçâo dos governos (ou em posição idêntica a eles) porque, nesse caso, funcionará o "moral hazard" e tratar-se-à da mesma maneira motivações fundamentalmente diferentes: ajuda/solidariedade dos Estados-membros e de instituições multilaterais versus lucro de credores privados.
Tudo isto para dizer que soluções aparentemente simples e imediatas podem ser muito complicadas e gerar efeitos contrários ao que se anuncia com doses significativas de demagogia e populismo. Temo que a reestruturação da dívida seja uma má alternativa à "via cruxis" da austeridade e da disciplina orçamental.
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