quinta-feira, setembro 30, 2010

Ilusões

Faz-nos falta a inflação e a desvalorização cambial. O Euro tirou-nos esses instrumentos de ajustamento pelo lado dos preços. Salários nominais a crescer a 5% com inflação a 10% dava redução de poder de compra de 5%... Desvalorização da moeda nacional (saudoso escudo!) levava a preços mais altos das importações (ainda mais inflação...) e a preços mais baixos das exportações, ou seja, ainda menos despesa interna e mais produção para vender ao estrangeiro, com o que se poderia pagar a dívida externa. E as taxas de juro podiam ser ao mesmo tempo altas (em termos nominais) e baixas (em termos reais, isto é, descontada a inflação).

Nessa altura, tramava-se a malta pela calada. Chama-se a isso "ilusão monetária". A malta julgava que ganhava mais, mas ganhava menos (descontada a inflação). Como nada disto existe agora, dada a maldição do Euro, o pessoal tem de sofrer a sério e com transparência. Tem de se passar a gastar menos do que se produz para pagar as dívidas acumuladas. O que chateia é a distribuição injusta desse "sacrifício". Os ricos arranjam sempre maneira de fugir. Os pobres e remediados são quem apanha mais, até pela lei dos grandes números.

Pior do que a "ilusão monetária" é a "ilusão da abundância", ou seja, pensar que há coisas na economia que podem ser gratuitas. Tudo se paga, mesmo os serviços públicos ditos gratuitos têm de ser pagos pelos contribuintes, mais tarde (no caso de ser financiados pela dívida que tem de ser reembolsada pelos impostos futuros) ou mais cedo (pela subida imediata dos impostos). E se isso acontecer em conformidade com qualquer padrão "justo" de justiça social, tanto melhor...

A perversidade de tudo isto é que o que nos impede agora de nos ajustarmos com a "ilusão monetária" foi o que nos levou ã "ilusão da abundância": o Euro. Quer dizer, o Euro e a correspondente baixa das taxas de juro reais levaram o Estado, as empresas e as famílias a endividarem-se para gastar em activos que não geraram as receitas que permitiriam o reembolso das dívidas. Portanto, agora, a poupança necessária para pagar as dívidas significa perder condições de vida. Mas, sempre os mesmos. Numerosos.

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