quarta-feira, agosto 04, 2010

A morte saiu à rua

Com o devido respeito, estou farto dos cancros das pessoas famosas, apresentados nos meios de comunicação social até à exaustão, com condolências dos mais variados quadrantes e obviamente justificadíssimas e choradíssimas. Os cancros são pretextos para enaltecer as qualidades humanas e profissionais de pessoas que fazem parte da nossa memória colectiva.

Morrer de cancro é triste, tristíssimo, doloroso para os próprios e para os chegados. Morrer de cancro é lento, demasiado lento, é como uma lâmpada que se vai fundindo até se apagar num dia cinzento, por mais sol que esteja no céu. Deve ser horrivel olhar para o relógio sabendo que vai parar inevitavelmente um dia destes. O relógio pára sempre, mas quando se tem cancro olha-se vezes de mais para o mostrador, implorando mais uns minutos, lutando por um milagre ainda mais improvável do que todos os outros. Desculpando a agonia, acariciando a dor para doer um pouco menos.

Deixem-me em paz com as lágrimas dos outros. Privatizem o sofrimento. Há quem brinque com a morte para a espantar. E não me parece mal. Mas, não escarafunchem na tristeza dos outros, não favoreçam a contaminação da melancolia quando está tanto calor e a luz quase cega e o mar é marmelada azul. Deixem a morte chegar e partir silenciosa e traiçoeira e incompreensível. Não há nada de heróico ou de vitorioso na morte. É o mais rotundo fracasso. Merece recato, austeridade e impotência.

Termino com genuinas banalidades: a morte é uma grande merda, tenho medo dela p'ra caraças, da minha e da das pessoas que amo e que estimo, da de toda a gente, da de amigos e inimigos. Noutros termos, rendo-me: cheguei à fase da vida em que pateticamente se tem medo da morte.

Post-scriptum: o grande problema da morte é que se morre para sempre.

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