Sensação estranha de ausência de Natal, de estar fora de uma quadra que noutros tempos me enchia de sentimentos fortes.
Essa impressão de não pertencer ao suposto espírito da época parece ser partilhada por outras pessoas da minha convivência.
Espanta-me, ao mesmo tempo, a facilidade com que as pessoas trocam votos disto e daquilo, coisas estereotipadas destes dias, porque sim, porque não pode ser de outro modo. Parecem actos de desespero, para manter uma tradição que já vale pouco, mas cuja descontinuidade significaria a resignação definitiva ao non-sense disto tudo. Deixa-me estarrecida a facilidade com que pessoas que mal se conhecem trocam desejos de felicidade, saúde, sucesso, prosperidade, amor, serenidade, plenitude, etc, etc. Trata-se de criaturas que se viram uma vez numa reunião para falar de negócios e de interesses quejandos e, depois, numa cascata de bons sentimentos de véspera do Natal, excedem-se em putativos afectos e ternura e enchem caixas de correio das mensagens mais inflamadas que, obviamente, soam a falso, a descabido ou, simplesmente, a nada! Tudo dispensável se imperasse a verdade e se as pessoas se concentrassem na expressão de desejos a outras pessoas com quem verdadeiramente se tem qualquer coisa em comum no plano das emoções.
Parece oficial ser bonzinho ou parecer bonzinho, fazer um interregno (cosmético) na agressividade e na maldade. Corações ao alto! Lá vamos nós em busca da redenção e da paz. Depois volta tudo ao mesmo e ficam apenas cadáveres de emoções oportunas e cartões de boas festas sem tempo para desbotar.
Estas impressões cruzam-se com outras sobre o estado (fisiológico) do país. E tudo faz sentido. Infelizmente. Cruzo-me cada vez mais com pessoas, jovens e menos jovens, com a má vida escrita na cara. Transpiram desemprego, fome, privações de toda a espécie, precaridade, solidão, sofrimento. Em duas palavras: má vida. Este país está mal, depois da euforia do endividamento, atolado na fatalidade do reembolso doloroso ou do calote mais ou menos envergonhado. Este país é uma meia dúzia de bem nutridos de expedientes ou que pertencem a raros nichos de sucesso, e uma multidão que resiste ao declíneo e à miséria. Este país tem andado para trás e parece-me condenado, na melhor das hipóteses, a uma longa estagnação, amortecida pelas mordomias da integração numa Europa de que continuará a divergir.
Para se viver bem é preciso produzir bem (não necessariamente muito e barato). Isso só se consegue com cultura, formação, sensibilidade, o que é incompatível com a cacofonia de uma legislatura e exige uma liderança esclarecida que, visivelmente, não há. O que há é crispação e incompetência na disputa por poderes que se auto-satisfazem, que se esgotam na conveniência mais rasteira. Poderes sem ideias nem projectos.
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