O modo de financiamento das obras públicas não é irrelevante.
A. Se o Estado seguir a modalidade tradicional, contrai dívida, paga imediatamente aos empreiteiros e fica a pagar o capital e os juros no futuro. Em alternativa, parte desse dinheiro pode provir de dinheiro deslocado de outras despesas ou de mais impostos pedidos aos cidadãos imediatamente. Mas, esses montantes seriam limitados em comparação com a dimensão dos grandes projectos em curso. Portanto, assume-se que a dívida pública seria o modo mais provável de financiamento no caso da modalidade clássica da despesa pública.
B. No sistema de Parceria Publico-Privado (PPP), em que os parceiros privados desenham, constroem, financiam e exploram os projectos, a despesa não é inicialmente suportada pelo Estado (excepto quando existem subsídios ao investmento como é o caso do TGV). São os privados que negoceiam o financiamento com os bancos e os riscos são partilhados entre os accionistas, os bancos e o Estado (concedente). Acontece que, em muitos desses projectos, as receitas comerciais (que resultam do preço a pagar pelos utentes das infraestruturas) não chegam para recuperar o investimento e para assegurar uma remuneração adequada a bancos e accionistas. Ou seja: o Estado fica a pagar todos os anos o que se designa “pagamento de disponibilidade” e que pode representar uma grande parte das receitas dos projectos. Porque é que o faz? Porque, apesar de comercialmente inviáveis, se considera que esses projectos geram benefícios públicos (externalidades) que justificam uma tal contribuição do Estado. O Estado, portanto, paga o necessário para que os privados sejam compensados pela realização do projecto. Um dos critérios fundamentais de decisão de cada concurso consiste em minimizar o montante total desses encargos futuros do Estado. Normalmente, ganha o consórcio privado que propõe um VAL (valor actualizado líquido) mais baixo dos pagamentos do Estado durante a vida da concessão.
Portanto, na óptica do Estado, o que distingue as duas modalidades de financiamento A e B é essencialmente a diferença entre o VAL do serviço da dívida e o VAL dos pagamentos de disponibilidade. [Além disso no caso A, no momento em que é contraída, a dívida é pública, enquanto no caso B é privada (acabando, em ultima instância, por ser paga pelo Estado...). No caso A, o défice primário do Estado cresce imediatamente (posteriormente, o défice geral é agravado pelos juros). No caso B, o défice primário sofre anualmente o impacto dos pagamentos de disponibilidade. Mas, estes últimos efeitos são basicamente “contabilisticos”.] Concentremo-nos na diferença entre o VAL do serviço da dívida e o dos pagamentos de disponibilidade. As principais fontes dessa diferença são: a favor de A: custo da dívida mais baixo, ausência de remuneração de fundos próprios, poupança de custos de transação (consultoria, honorários de advogados para as complexas negociações associadas aos PPP); a favor de B: ganhos de eficiência, custos de construção mais baixos.
Em resumo: abstraindo de questões relacionadas com contabilidade pública e sob reserva de substanciais ganhos de eficiência constatados (mais do que esperados...), a modalidade A é normalmente mais vantajosa.
Mas, independentemente da avaliação das modalidades de financiamento, o que é mais importante é o impacto macro-económico dos projectos. Eles só têm sentido e só seráo sustentáveis (numa óptica orçamental) se o crescimento do PIB que induzem (e consequente base tributária) for suficiente para os pagar. Senão, estamos a empobrecer o país e a criar défices de resolução dolorosa pelas gerações futuras (aumento da carga fiscal e/ou redução de outras despesas públicas).
O PIB português a preços correntes em 2008 foi de cerca de 167 mil milhões de euros. Estimo que os pagamentos anuais de disponibilidade associados apenas às novas auto-estradas e ao TGV sejam de cerca de 1.3 mil milhões de euros a preços actuais durante os próximos 35 anos. Assumindo uma taxa real média de crescimento do PIB de 2% e uma taxa média de inflação de 4% chego às seguintes conclusões: o VAL desses pagamentos de disponibilidade representará cerca de 14% do valor do PIB de 2008; cada ano, esses pagamentos representarão entre 0.4% e 0.8% do PIB, ou seja, entre 13% e 26% do défice de 3% autorizado pelo Tratado de Maastricht. Se queremos que estes números sejam mais razoáveis teremos de pressupor uma taxa média anual de crescimento significativamente superior a 2%. Oxalá que sim...
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