"Mas afinal o que estás a fazer aí deitado ?" - perguntou o rico ao pobre que tentava dormir próximo do ventilador do metropolitano que deitava ar quente.
"Estava a pensar em si - não se vê logo! Que raio de pergunta."
"A pensar em mim?... Deves é estar a gozar. Não me conheces de lado nenhum..."
"Mas, será tão descabida a resposta quanto a pergunta".
Apesar de tudo o pobre embalou-se no debate:
"Basta-me imaginar o conforto de pessoas como você para adormecer melhor. Sinto-me mais quente e aconchegado. Para pessoas como eu o conforto é psicológico: sonha-se em vez de se ter e, por isso, de certa maneira, tem-se."
"Saiu-me na rifa um pelintra filósofo... Satisfazes-te com pouco. Talvez por isso sejas pobre. Ser pobre não é dormir ao relento. Ser pobre é não querer deixar de ser pobre..."
O pobre pôs-se a rir e disse:
"Lá vem este com o livre arbítrio, com a responsabilidade que cada um tem pelo seu destino. Meu caro: uma coisa é querer, outra é poder. E o poder não é como o sol que nasce todos os dias para todos. Quando sais da barriga da tua mãe uma grande parte do teu destino já está escrito. E não me venham com as excepções que confirmam a regra e que dá jeito propagandear como se fossem a regra. Tretas!"
O rico olhou-o com desdém e foi-se embora, seguro de si. O pobre desapareceu ainda mais debaixo do cobertor cheio de nódoas, consolado pelo calor que saía do ventilador e pela fantasia de ser rico.
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