quarta-feira, outubro 10, 2007


Porque é que a “mafiosidade” é uma característica fisiológica de Itália e dos italianos? A minha tese é simples e provavelmente não muito inovadora: simplesmente, por causa da ausência de um Estado forte, conjuntamente com a permanência de estruturas medievais no sul do país e com a proliferação de cidades-estado no Norte até há pouco tempo. De facto, a unificação dos territórios que levaram à criação da Itália e, portanto, a criação de um Estado centralizado são fenómenos recentes (final do século XIX). Antes, o que havia era uma diversidade de comunidades regidas por poderes locais e vínculos pessoais. Ainda hoje, quando se pergunta a alguém de onde é, a resposta frequentemente começa assim: “il mio paese è…”, ou seja, a localidade de onde vêm é o país deles… A Itália é o sítio por excelência dos localismos e das identidades ligadas a um território específico. Um outro exemplo, é o Palio de Siena, a famosa corrida de cavalos que se realiza todos os anos na principal e belíssima praça da cidade. Os concorrentes representam “contrade” (uma espécie de freguesias), quer dizer, a unidade essencial do orgulho das pessoas não é o país, nem a região, nem a cidade - é a freguesia. Bem sei que, em Lisboa, as marchas populares se disputam entre bairros tradicionais, mas não é bem a mesma coisa e não é um fenómeno tão recorrente no nosso país como em Itália.

Não havendo um Estado, uma autoridade clara e centralizada, não havendo leis gerais e imparciais, o poder é fragmentado e os cidadãos tentam defender-se dos pequenos e múltiplos poderes, mais ou menos arbitrários e mutáveis, desenvolvendo esquemas paralelos de sobrevivência e de regulação das suas relações e dos seus conflitos. Os cidadãos estabelecem cumplicidades e fidelidades, no interior de leis informais, que resistem às leis formais inoperantes. Daqui até à máfia, daqui até à proverbial “furbizia” (habilidade, manha, astúcia) que é uma versão soft da máfia, vai um pequeno passo.

Portanto, a "mafiosidade" dos italianos tem raízes históricas e culturais profundas, acabando por ser, curiosamente, um dos traços distintivos de uma identidade italiana que complementa as múltiplas identidades locais dos simpáticos mafiosos residentes na península transalpina. Em conclusão: italiano é por natureza mafioso, passe a conotação pejorativa da palavra. É endémico, superior às forças dos indivíduos. Há-os mais ou menos mafiosos, mas está-lhes inscrito nos genes...

Sem comentários: