Talvez o voto mais eloquente seja aquele que se faz com os pés, isto é: partindo, saindo de um lugar onde se está mal para outro onde se espera estar melhor. É um voto qualitativamente superior porque implica muito mais do que apenas depositar um pedaço de papel numa urna. Implica arriscar, mudar completamente de contexto, agir de uma forma radical. Trata-se de substituir fisicamente o sítio onde se nasceu e onde se cresceu. Trata-se de exprimir uma opinião clara àcerca do estado do país, dadas as suas repercussões sobre a vida concreta das pessoas. É uma decisão forte que não se toma de ânimo leve... salvo no caso dos aventureiros puros e duros que - não creio - sejam muitos. Pois bem, considerando o aumento, nos últimos anos, da emigração portuguesa para países como a Inglaterra, a Suiça, os Países Baixos e o Luxemburgo, acho que se devem retirar conclusões pesadas e nada abonatórias para o rumo que o país está a tomar (não obstante os discursos apologéticos e redentores do "establishment").
É evidente que emigrar é uma decisão relativa, implica uma comparação, nem sempre objectiva e correcta, entre o que se deixa e aquilo para que se vai. Supõe-se que a diferença entre o que se obterá no destino e o que se tem na origem é superior aos custos e aos riscos da mudança. A posteriori, o resultado pode divergir significativamente da expectativa com que se partiu e, então, (a) ou se regressa, (b) ou se fica com teimosia e por orgulho, (c) ou se fica com sucesso... Presumo que a taxa de regresso, pelo menos a curto prazo, seja baixa. Estou a falar de emigração por duração indeterminada, porque também há aquela que se faz por prazos curtos de acordo com contratos específicos. E depois também há a outra emigração, o novo "salto", em desrespeito das mais elementares regras do direito e da dignidade, a nova escravatura da mobilidade do trabalho...
A emigração resulta de uma decisão individual. Cada caso é um caso, mas há determinantes sociais e económicas relacionadas com o estado geral do país ou da região de origem. A maior parte das pessoas emigra por razões económicas, porque não encontra oportunidades de emprego, nem condições para melhorar as suas vidas e as das suas famílias no lugar onde nasceram e cresceram. O recrudescimento recente da emigração, em tendência inversa à que se vinha desenvolvendo desde o 25 de Abril, é um indicador evidente do mal-estar do país, também das camadas mais jovens. É interessante constatar que esse fenómeno começa a tocar pessoas com níveis de instrução média ou superior, o que é representativo da situação do mercado de trabalho nesses estractos de formação...
Portugal está, curiosamente, a transformar-se num país duplo, de transição, quer dizer, de acolhimento de africanos, brasileiros e leste-europeus e de (nova) partida dos cidadãos nacionais, especialmente, em direcção à Europa. É pena. Porque se desperdiçam energias e talentos, porque a Pátria não dá aos cidadãos as oportunidades e a estima que merecem. Se as pessoas se sentem maltratadas ou deixaram de acreditar no seu país, ao ponto de o deixar, essa é a prova mais concludente do fracasso das políticas de desenvolvimento. E as dificuldades não podem ser consideradas conjunturais nem associadas, apenas, a um imperativo de saneamento financeiro, pois o fenómeno já se produz há vários anos e as pessoas emigram porque consideram que a sua situação actual não é reversível a curto prazo.
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