terça-feira, abril 24, 2007

Um artigo para reavivar a memória do país...

Nem tudo era mau
Não se pense que tudo era mau. Até final dos anos 60, Portugal manteve-se, em muitos aspectos, na «pole position» dos países europeus ocidentais (ver António Barreto, "Mudança Social em Portugal: 1960-2000", in “Portugal Contemporâneo”, coordenação de António Costa Pinto, Dom Quixote, 2004). Assim: era o único império colonial sobrevivente; podia orgulhar-se do ditador com mais anos no poder; apresentava as mais altas taxas de analfabetismo e mortalidade infantil; o menor número de médicos e enfermeiros por habitante; o mais baixo rendimento por habitante; a menor produtividade no trabalho; o menor número de estudantes no ensino básico e superior; o menor número de pessoas abrangidas pelos sistemas de segurança social, a menor industrialização e a maior população agrícola. No fundo, no fundo, números à parte, tratava-se de um paraíso verde. Além das paisagens bucólicas e das viúvas de portentos buços, havia Fátima, havia fado e havia futebol. E no que toca a futebol, Eusébio era o mais que tudo.
Tão mais que tudo, que Salazar lhe vetou a carreira internacional, informando-o, tão simplesmente, de que ele era “património do Estado”.
Só os portugueses em crise de meia-idade, ou já refeitos dela, se podem lembrar de como era antes. E a verdade é que tinha pouca graça. Antes. Claro que nos podemos rir hoje da licença de isqueiro, obrigatória desde os anos 30 e só abolida em Maio de 1970 pelo decreto-lei 237/70. Claro que mesmo os incondicionais de Chomsky ou Michael Moore já não terão de ir ao Ultramar para beber um gole pecaminoso de Coca-Cola, só comercializada entre nós a partir de 1977. Em Portugal Continental, como se dizia, fora proibida nos anos 30, dela só sobrando a prova dos dotes publicitários de Pessoa que lhe inventara um slogan: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
Podemo-nos rir, ainda, do Decreto-Lei nº 31247 de Maio de 1941, que regulava o uso do fato de banho, zelando “pela moralidade pública (...) no sentido de evitar a corrupção dos costumes”, e que obrigava, para elas, a fato inteiro “sem descobrir os seios, com costas decotadas sem prejuízo do corte das cavas ser cingido na axilas”, e para eles a “calção com corte inteiro, justo à perna e reforço da parte da frente, e justo à cintura cobrindo o ventre”, regras a que os “cabos de mar” tiveram de começar a fechar os olhos quando, na década de 60, turistas bem menos atafulhados de roupa desataram a invadir o Estoril e o Algarve.
Continuamo-nos a rir desta obsessão moralista e bafienta (que fez do iconoclasta José Vilhena o autor mais censurado antes do 25 de Abril), com as calças proibidas às raparigas nos liceus e as gravatas obrigatórias para os rapazes, mais as portarias camarárias em prole do decoro vigente. O escritor Luís Sttau Monteiro, cujo pai foi embaixador em Londres até 1943, ano em que bateu com a porta a Oliveira Salazar, contava que, criança, numa audiência a que assistira, o ditador reparara nas suas botas e lhe perguntara onde as comprara. Quando lhe respondeu que fora em Londres, este comentara: “Modernices! Modernices!”

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