segunda-feira, abril 23, 2007

Démocratie à la française

A taxa de abstenção na primeira volta das eleições presidenciais francesas (cerca de 15%) foi a mais baixa desde 1965. Quase todos os analistas celebram entusiasticamente o retorno dos cidadãos à política assim como a vitalidade da democracia, pelo menos, naquele país.

A política fulanizada é mais acessível e popular. A democracia torna-se mais próxima com as campanhas que falam mais de pessoas do que de ideias. Os cidadãos estão fartos das mesmas ideias entoadas por diferentes trovadores que, de qualquer modo, não fazem grande diferença às suas vidas. As pessoas preferem falar dos casamentos, traições, bebedeiras, gostos desportivos e musicais dos políticos. As pessoas adoram entrar na privacidade, de preferência picante, dos candidatos (síndrome "big brother"). Adoram, sobretudo, contos de fadas: o homem ou a mulher que há pouco tempo era um dos nossos, um semelhante, e que agora ocupa as páginas das revistas e dos jornais e que pode chegar ao mais alto cargo da Nação. Essa é a democracia que mobiliza as pessoas e que as faz discutir interminavelmente os resultados das eleições, no dia seguinte. Estão-se nas tintas para o programa político (se existe...), mas demonstram um conhecimento enciclopédico da maneira como o candidato passou as últimas 24 ou 48 horas, com quem almoçou, como se relacionou com os filhos, a que igreja foi rezar pelos resultados, etc. Adeus às grandes análises, aos artigos de opinião, às grandes opções de sociedade. Coisas de intelectuais e analistas chatos... O que conta é o eco da vida dos políticos nas revistas Hola ou Gente ou quejandas. O que está na moda é a política do mexerico, dos óculos de sol, das invectivas, da imprensa exacerbada e invasiva, dos escândalos, do fait-divers. O que está na moda é a política de que se fala como se fosse um festival da Eurovisão, uma final de taça. A política que se aprende na sala de espera do dentista...

A política fulanizada é a política que minimiza o abstencionismo, que leva as pessoas às urnas com a impressão de decidir qualquer coisa, provavelmente a alegria ou a raiva do candidato que tem os olhos mais bonitos ou que fala com a voz mais decidida (para os homens) ou mais aveludada (para as mulheres).

E por trás do espectáculo jogam-se interesses, grandes interesses e decisões que acabam por ter impacto sobre a nossa vida de todos os dias.

PS:

A segunda volta das presidenciais francesas, que tem lugar dentro de 2 semanas, vai-se decidir, portanto, entre Royal e Sarkozy, basicamente, com base nos votos de Bayrou, o outsider do centro-direita que recolheu 18% na 1ª volta e que sonha já com um novo partido de centro e com promessas de participação no governo daquele que vier a apoiar. De facto, Bayrou já só pensa nas legislativas... De salientar que todas as “esquerdas” somadas não chegaram aos 40% (Royal teve sózinha 25%).

Outra observação interessante é que o esvaziamento da extrema-direita ter-se-à devido, essencialmente, à apropriação por Sarkozy dos temas favoritos de Le Pen (segurança interna, patriotismo, restrições à emigração). Digamos que o sistema (protagonizado por Sarkozy e por uma direita mais “civilizada”) soube assimilar e digerir as mensagens populistas da extrema-direita.

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