terça-feira, fevereiro 27, 2007

Montanhas, relógios e chocolates

A sensação que se tem quando se passa pelo aeroporto de Genève ou pelo hall de certos hotéis da mesma cidade é a de continuar no tempo da Guerra Fria. Parece que toda a gente é espião ou que fala com eles. Há qualquer coisa de conspirativo e de anos 70/80 no ar. Malas pretas suspeitas, óculos escuros démodés, sapatos de verniz bicudos, penteados construidos com brilhantina, riscas de cores estridentes, olhares furtivos de quem parece perseguir ou recear ser perseguido... A cidade parece uma plataforma de encontros e transacções que só ali se poderiam realizar, por trás de um austero e civilizado sigilo, de uma irrepreensível aparência de legalidade.

É claro que Genève também é o centro histórico, onde se encontra o edíficio belíssimo da Câmara Municipal, a universidade, as ruas estreitas impecavelmente limpas, os prédios antigos em estado de perfeita conservação. Ao caminhar à noite por aquelas ruas, quase se espera cruzar com Calvino ou, de preferência, com Giordano Bruno que por ali passou à procura de tolerância, mas que teve de fugir dos protestantes com a mesma pressa com que tinha fugido dos católicos romanos...

E depois há a Genève do jetset e do dinheiro a rodos que compra vivendas com jardins imensos e vista sobre o Lago Leman, que se passeia em Maseratis e em Aston Martins e que alimenta a clientela das mais opulentas lojas de luxo que se possa imaginar. Sabe deus de onde vem todas essas fortunas que os banqueiros suiços fecham a sete chaves e que investem na maior das discrições em negócios inconfessáveis, que apenas a má lingua de invejosos ou de radicais alternativos pode tentar denegrir.

Apesar da sua atmosfera asséptica de postal ilustrado, Genève talvez seja um pouco menos limpa e organizada do que outras cidades da Suiça, em especial as dos cantões germânicos. A Suiça é um país muito particular onde a ordem, a estabilidade e a vigilância de todos por todos atingem níveis absurdos. É um país arrogantemente imparcial e ordeiro onde o cinismo dos ricos e hiper-ricos vai repousar-se. É essa diferença, a resistência à abertura e à transparência, que constituem os principais factores de atracção e de prosperidade do país das montanhas deslumbrantes, dos chocolates e dos relógios, o refúgio dos crimes sem castigo deste mundo, dada a força do dinheiro.

Não quero caricaturar a Suiça como um simples paraíso fiscal - de resto, é tudo menos simples... A Suiça é muito mais do que isso e os suiços fazem seguramente mais do que aproveitar a proverbial neutralidade e o poder de compra de gente mais ou menos exótica e riquíssima. Mas essa dimensão terrena escapa-me porque nunca vivi o quotidiano nem a cultura popular do país. Disso poderão falar com conhecimento de causa - talvez não muito elogiosamente... - os milhares de portugueses que para lá emigraram. O que é certo é que a Suiça tem algumas das paisagens de montanha mais bonitas do mundo.

PS: Já agora, vá-se lá perceber porque é que a Swissair, companhia aérea de um país tão disciplinado e eficiente, foi uma das raras que faliu até agora na Europa, tendo sido reciclada pela Lufthansa...

2 comentários:

Alice disse...

deste-me vontade de lá ir...muita mesmo!

Anónimo disse...

e vamos dois!!:p