domingo, novembro 26, 2006

Por um novo nacionalismo

Hoje, um amigo francês disse-me que a maior parte dos portugueses que conhecia eram tímidos, tristonhos, demasiado discretos, defensivos, parecendo pouco orgulhosos de ser portugueses. Como é que se pode ser assim quando se pertence a uma Nação que deu tanto ao mundo, um pequeno país que tanto contribuiu para o avanço da Humanidade num período histórico decisivo. Como se explica essa nostalgia, a que chamam saudade, bem traduzida pelo fado e por uma parte significativa da literatura e arte portuguesas? [Enquanto isso, os espanhóis são raivosos de ser espanhóis e os franceses incham de arrogância... De Gaule dizia que o mundo inteiro sempre tinha ganho com a "grandeur de la France"...]

Admitindo que essa análise (ainda) descreva um número significativo de portugueses e que os estereótipos da saudade, tristeza e profundidade representem de alguma maneira a alma portuguesa, como explicar tudo isso? Porque é que os portugueses seriam tristes (ou mais tristes do que outros povos)?

A minha explicação foi mais ou menos clássica... O pequeno país que construiu um império tinha pés de barro e em pouco tempo perdeu tudo aquilo que tinha conquistado com grande coragem, engenho e liderança esclarecida. O apogeu teria coincidido com os reinados de D. João II e D. Manuel. Depois, foi o declínio inexorável e permanente durante séculos, incluindo o desastre de Alcácer Quibir, a perda da independência entre 1580 e 1640, o afastamento dos movimentos de ideias que sacudiam a Europa, o desperdício dos recursos coloniais, a insipiência da industrialização, a ausência de uma burguesia progressista e visionária, o desastre dos primeiros anos da Républica e a "longa noite fascista" com o culto da ignorância, do vinho e da modéstia, o "orgulhosamente sós", uma tardia e custosa guerra colonial, a hemorragia emigratória, etc. Digamos que, depois da grandiosidade dos séculos XV e XVI, Portugal não tem grande coisa de que se gabar. A nostalgia dos portugueses e o seu putativo défice de auto-estima talvez estejam associados a uma raiva contida por terem perdido tanto (um império global...) de forma tão clamorosa e irreversível. E esse sentimento de perda permaneceria inscrito nos genes dos portugueses.

A revolução de 1974 e a adesão à Europa interromperam esse longo processo de decadência. Porém, em termos de tempo histórico, o choque ainda é recente. Apenas uma geração não viveu directamente o trauma fascista. Os portugueses foram expostos às suas fraquezas e tiveram de descobrir as suas forças para ombrear com os outros povos na luta pelo desenvolvimento. Os jovens podem exprimir livremente a sua criatividade, a sua qualidade, a sua ambição. Não sentem a "obrigação", consciente ou inconsciente, de redimir quaisquer culpas ou complexos, não são reféns de quaisquer sebastianismos.

Penso que os portugueses, principalmente os mais jovens, já não correspondem a esse paradigma da tristeza e da saudade. Penso que um novo espírito nacional se está a desenvolver, que começa a fazer sentido ter orgulho de ser português ou, pelo menos, não sentir o handicap de ser português. É verdade que, às vezes, esse orgulho se exprime das formas menos auspiciosas, tipo: adesão patética a glórias desportivas efémeras. Outro aspecto que talvez não ajude é a qualidade das élites e dos dirigentes do país nesta fase de erupção da energia nacional. Mas, também nesta área, tem de se viver com o que se tem ou apesar do que se tem... E um país tão fortemente traumatizado como aquele que emergiu do fascismo há uma geração talvez não pudesse ter melhor élite.

2 comentários:

/me disse...

Perguntou um inglês a um português o porquê esse sentimento de tristeza e pouca auto-estima, sendo ele de um povo descendente dos homens que partiram pelos mares a dar novos mundos ao mundo.

Responde-lhe: "é que sabe? Nós não somos descendentes dos que partiram; somos descendentes dos que ficaram".

tnr disse...

"Porque é que os portugueses seriam tristes (ou mais tristes do que outros povos)?"

Acho que os teus dois ultimos paragrafos dizem tudo. So quem se lembra de como as coisas eram antes de 25/4/74 entende.

WELL SAID, MY FRIEND!