terça-feira, novembro 14, 2006
Arte, espelho do mundo
Quando se visita um museu onde se expõem obras de arte de épocas tão diversas como a Antiguidade Clássica, a Idade Média, o Renascimento e os últimos 100 anos, tem-se a impressão de que existia uma certa continuidade, um progresso estético interrompido exactamente nos últimos 100 anos. Existe claramente uma ruptura de padrões de beleza, uma mudança drástica de mensagem. A uma procura de perfeição, de harmonia e de equilíbrio, a uma tutela cada vez mais apurada das técnicas de representação do mundo e dos seres humanos, sucede-se um discurso regressivo, de negação do patamar de perfeição atingido. Passa a imperar uma mensagem de crise, de decadência, de desilusão. O feio e o belo encontram-se, as formas contorcem-se, o absurdo faz história. A arte que se nega a si mesma exprime inevitavelmente uma crise de longo prazo que se transforma em estado normal das pessoas e das sociedades. A arte contemporânea é uma arte de crise endémica. A tranquilidade é recuperada em frente das obras de Giotto, della Francesca, da Vinci, Botticelli.
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5 comentários:
Das três, uma:
- Actualmente existe, de facto, uma crise que é reflectida pela arte.
- Na antiguidade havia falta de lucidez pelo que agora a nossa arte reflecte a nossa maior consciência da realidade
- Na antiguidade procurava-se a arte como escapatória para a realidade e transmitia-se uma tranquilidade inexistente para compensar pela crise
Começamos a falar de tendências pesadas da humanidade e do modo como são expressas pela Arte. A tua tese (excluindo a 2a. hipótese que não me parece pertinente...) poderia traduzir-se também do seguinte modo: o homem foi-se libertando ("for the better, for the worse") e a Arte deixou de ser uma escapatória ou um paliativo, passando a representar com sinceridade o mundo e os humanos. Mas, isso implica que o lado negativo do mundo teria estado sempre presente, apesar de não ser sempre representado pela Arte. Portanto, o feio da Arte actual seria uma prova de autonomia em relação às ficções da transcendência, da religião, da ignorância e do medo. A Arte contemporânea representaria assim o que é, não o que devia ser, não o contraste com a fealdade substancial do mundo. Será isto o que queres dizer ? Se assim é, tendo a estar de acordo... Infelizmente, porque, na realidade, o passado da humanidade está cheio de crises, de maldade e de perdição, não obstante a beleza omnipresente na Arte desse passado. Basta pensar na desumanidade e nas atrocidades que atravessaram o passado, "not least" a Idade Média.
A mudança na Arte é consequência da invenção da fotografia! Pelo menos esta é a principal razão. A sociedade romana era muitíssimo parecida com a nossa e não me lembro de a arte deles ser parecida com a contemporânea.
estão a falar da 'fealdade' e mediocridade ao nível do aspecto estético e formal da nova abordagem da arte contemporânea, ao nível da raíz conceptual e da mensagem das obras, ou a esses dois níveis? fiquei sem perceber.
a arte contemporãnea tem tantos campos de acção diferentes, e tantos tipos de abordagem diferentes que julgo ser muito difícil criar uma 'fórmula' de crítica da arte contemporânea que possa ser aplicada de forma tão generalista sem que se cometam injustiças. em tudo isto há que ter em conta o contexto. as artes clássica, românica, gótica, renascentista, maneirista, barroca, neoclássica e romântica são muito bonitas, sim. há obras indiscutivelmente geniais e sublimes. mas para que possam ser avaliadas lado a lado entre si, e com a arte contemporânea, terão que ser analisadas sob parâmetros que percorram tranversalmente a intemporalidade da arte, tendo em conta o contexto de cada período artístico. se a arte grega tinha um carácter essencialmente escultórico (em qualquer das artes), de sublimação estética de uma sensibilidade intelectual exímia, sem qualquer relação directa com o homem, que é só espectador, é porque esta era uma arte feita para as divindades. não havia outro "público-alvo" senão esse.se a arte romana ainda hoje nos comove com a sua mangnificencia e perfeita mestria de construção, é porque foi feita como resposta a um império em expansão que precisava de afirmar a sua autoridade.também a arte românica tem uma razão de ser, o estabelecimento da sociedade feudal, a necessidade pedagógica da igreja, que utilizava a arte (realista, de leitura fácil) como único meio de ensinar a doutrina a uma população analfabeta, ... enfim, em todos os períodos a arte desenvolveu-se respondendo a necessidades das várias sociedades, quer funcionais, quer ideológicas. hoje, havendo já esta consciência da intemporalidade da arte (e a aprendizagem imensa com a arte antiga), existe sim uma nova abordagem, possibilitada por todos os novos meios de expressão, mas que não deixa de ser, também, como sempre, um reflexo de uma necessidade social a que hoje, como nunca antes nos deixaram, nos podemos dar ao luxo: a de questionar. (a questionação/negação da própria arte funcionará, assim, como exercício abstracto para uma humanidade que nunca mais pode parar de se questionar)
peço desculpa pela divagação...tenho amanhã frequência de introdução à cultura aquitectónica/história da arte e cultura clássica, por isso estou perdoada.tenho que dormir sobre o legado artístico do mundo.. ;)
(sim, sou eu, alice! :) beijinho*)
Antes de mais, sou razoavelmente leigo em história de arte, pelo que, agradeço o seu contributo, nomeadamente, como estudiosa da matéria. O que me sensibilizou no seu texto foi a discussão da dicotomia na arte intemporalidade / reflexo dos tempos. Perante certas obras contemporâneas e, por maioria de razão, pós-modernas (exemplos: Yves Klein e Robert Rauschenberg - ver http://www.centrepompidou.fr/Pompidou/Accueil.nsf) tenho dificuldade em identificar o seu lado intemporal, dada a eloquência com que exprimem a entropia da arte dos últimos 50-100 anos. Isto é: para mim são obras datadas, não se inserem numa tendência de perfeição. Não consigo identificar qualquer valor estético que resista ao tempo, o que não é o caso das obras de um da Vinci ou Monet.
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