terça-feira, setembro 19, 2006

Pergunta...

Porque é que dizem que este governo é de esquerda e socialista?

Razão da Pergunta

O ministro da Saúde admitiu hoje que poderão ser criadas novas taxas moderadoras para a prestação de cuidados de saúde que actualmente são gratuitos para os utentes, tais como o internamento e a cirurgia de ambulatório.

Em entrevista à agência Lusa, António Correia de Campos revelou que a medida poderá ser aplicada "em breve", mas garante que não tem apenas razões económicas. "Este tipo de receitas é mínimo" para o Serviço Nacional de Saúde, disse o ministro, justificando a criação destas novas taxas com objectivos "mais estruturais", como a moderação do acesso e a valorização do serviço prestado.

O ministro está consciente do impacto de tal medida e afirma-se "preparado para a polémica". "É claro que a medida vai levantar celeuma, como sempre levantou, mas o povo não é estúpido, faz as contas e verifica que, apesar do que muitos partidos políticos disseram, pouparam 20 milhões de euros no ano passado" com as medidas aplicadas pelo Governo no sector do medicamento.

Algumas dessas medidas, especificou António Correia de Campos, foram igualmente polémicas, como a diminuição da comparticipação dos fármacos para doentes crónicos de cem para 95 por cento.

Mais, aqui.

5 comentários:

Miguel disse...

A questão de fundo é a da consideração da saúde como um serviço público, isto é, um serviço a que todos os cidadãos têm direito independentemente da sua capacidade de pagar. Naturalmente, os bens e serviços públicos não são gratuitos ("no free lunch"); são pagos pelos impostos da generalidade dos contribuintes, de acordo com o seu rendimento e segundo as regras gerais de tributação.

A introdução do princípio do "utilizador-pagador" (isto é, o acesso dos utentes fica condicionado à sua capacidade e à sua vontade de pagar o serviço) visa, em teoria, a eficácia da oferta e a disciplina da procura, mas defrauda o acesso universal ao serviço. Trata-se claramente de uma adesão aos principios da economia liberal (a pretexto da eficácia) e de um desvio em relação à consideração da saúde como bem público (o que é típico da esquerda).

Uma solução "técnica" consiste em financiar a maior parte do serviço através dos impostos (acolhendo o princípio de serviço público) deixando uma pequena parte para pagamento pelos próprios utentes (para defender a eficiência económica e ter conta de benefícios exclusivamente privados (!)). De facto, isso corresponde, em certa medida, às "taxas moderadoras", as quais abriram o caminho para a privatização do sector e para a criação de um sistema dual em que, quem tem dinheiro, tem acesso a saúde de primeira, e quem não tem, a saúde de segunda...

Os "socialistas" à inglesa ("new labour") ficam tão fixados sobre a eficiência e tão deslumbrados pelo carácter alegadamente científico da Economia que deitam pela borda fora a ideologia que lhes deveria justificar o nome.

Anónimo disse...

A determinação do Ministro da Saúde de transformar hipotéticas taxas moderadoras de consumo em co-pagamentos dos actos de saúde, já financiados pelos impostos, coloca os cidadãos na interpretação do dilema da natureza do serviço público, favorecendo uma análise menos adequada da missão social e equitativa deste serviço.
Partilhar os momentos de atendimento das pessoas em alguns dos nossos serviços públicos no percurso de pagamentos continuados de taxas moderadoras, das análises aos exames, serviços que o cidadão não escolhe e em que não tem capacidade de moderar o consumo, pensar em implementar novas taxas para este consumo, da consulta ao internamento e à cirurgia visará indirectamente limitar o direito de prescrição e de diagnóstico clínico e de outros profissionais de saúde conduzindo os doentes em atendimento para fora do sistema face à sobrecarga de taxas/impostos colocando-os nos braços de seguros parciais, deixando a descoberto as suas necessidades ou a assumpção de resposabilidades acima da sua capacidade financeira. Será que é possível imaginarmos que qualquer cidadão comum determinará por si fazer mais uma cirurgia ou internamento? Como o Ministro da Saúde não vai ao serviço de atendimento permanente é provável que a sua renda não lhe exija o raciocínio da gestão de um contribuinte normal. Ou será que poderá mesmo numa distribuição de regalias pouco clara pensar num nível de isenção sempre que precisar de recorrer a um serviço público?

Miguel disse...

acho que o que ele pretenderia é utilizar a linguagem do dinheiro para disciplinar a utilização, por vezes abusiva, dos serviços de saúde; quando as coisas parecem gratuitas, a sua utilidade e custo não são adequadamente tomadas em conta pelos utilizadores; haverá muita procura artificial de saúde; o problema são os efeitos laterais perversos dessa técnica de alegada racionalização da saúde, tais como: negação da universalidade do serviço; restrição do acesso das pessoas com menos recursos a cuidados de saúde indispensáveis; fomento do "negócio" da saúde, etc; o ministro poderia contra-argumentar que se o nível das taxas moderadoras não for exagerado e se for selectivo, consoante o tipo de cuidados, poder-se-ia obter o melhor de todos os mundos, isto é: universalidade e eficiência mediante disciplina da procura

Alice disse...

No último ponto não acho que a contra argumentação do ministro fosse minimamente plausível, por uma razão: uma grande percentagem da população portuguesa vive no limiar da pobreza, sem contar com os que, não sendo considerados nesse estado também consideram cada cêntimo na sua carteira como fundamental.

Para todas essas pessoas as taxas moderadoras simbólicas, agora existentes já são algo de incomportável, quanto mais se são aumentadas...

Miguel disse...

acho que estás a ser exagerada ao dizer que "uma grande % da população vive no limiar da pobreza" - somos menos ricos do que a média europeia e a distribuição do rendimento é cada vez mais desigual mas, enfim, ainda não descemos abaixo do limiar do 3° mundo

quanto aos que têm dinheiro (2a. parte do teu argumento) mas consideram cada cêntimo digno de outra utilização que não a saúde... bom aí trata-se de escolhas individuais que não cabe ao Estado julgar

naturalmente, estou apenas a tentar seguir a lógica e a armar-me em advogado do diabo

para mim, a consideração da saúde como serviço público e o seu financiamento pelos impostos prevalecem sobre putativas preocupações de eficiência

o que há a fazer para salvaguardar o serviço nacional de saúde, sem cair no desperdício e na ineficiência, não é privatizar, mas sim levar o próprio Estado a gerir melhor os recursos, segundo uma lógica de Welfare que se sobrepõe à do mercado