Não tenho a certeza de que a melhor coisa que se tem a fazer, quando não se sabe o que dizer, seja estar calado. O debate puro e simples, a esgrima das ideias (mesmo que sejam espúrias, impertinentes ou criadas ex-nihilo), a troca de argumentos gratuitos, enfim, a controvérsia têm um certo fascínio, em si mesmos. Fazem parte da ginástica mental e levam frequentemente a conclusões inesperadas e interessantes, a conteúdos imprevisíveis. A oratória e a dialéctica são disciplinas cultivadas em diferentes momentos da história das civilizações por eméritas personagens. Os tribunos são pessoas que manifestam grande agilidade para raciocinar depressa e virar os argumentos mais convincentes do avesso. Há oradores tão brilhantes que chegam a fazer esquecer do que na verdade estão a falar, maravilhando as audiências com a elegância e persuasão da linguagem.
Há gerações que atravessaram períodos social e politicamente conturbados durante os quais os debates foram acesos e, por vezes, violentos. Momentos de intenso antagonismo ideológico prestam-se à emergência de grandes oradores que, normalmente, se transformam também em líderes. Naturalmente, nesses casos não se fala de debates lúdicos ou apenas formais, mas sim do combate de argumentos substantivos àcerca de modelos alternativos de sociedade. Portanto, nesses casos, à eloquência da forma junta-se a pertinência do conteúdo.
Penso que isso aconteceu em Portugal na geração das pessoas que têm hoje 50-55 anos. Estou a lembrar-me, por exemplo, de Arnaldo Matos "grande educador da classe operária" e líder do saudoso e truculento MRPP. A. Matos usava "ditadura do proletariado", "social-fascismo revisionista soviético", "lacaios do capitalismo", "Barreirinhas Cunhal" etc. como se fosse uma bailarina a dançar o Quebra Nozes. Saía tudo com uma coerência, um ritmo e uma nítida monotonia que os sequazes se inchavam de energia e de coragem para prosseguir na luta pelo comunismo. Encontramos hoje uma série de notas personagens dessa fornada em postos-chave da sociedade e da polítíca portuguesa. Marcelo Rebelo de Sousa e Durão Barroso (não obstante os seus diferentes berços ideológicos) são outros exemplos que subiram à ribalta, ao contrário do camarada Arnaldo de Matos que se esfumou no quotidiano, sendo episodicamente convidado de programas de TV como autêntica relíquia ou curiosidade histórica.
3 comentários:
Não tenho a certeza de que a melhor coisa que se tem a fazer, quando não se sabe o que dizer, seja estar calado.
Não concordo. Apesar de eu gostar imenso de argumentar e participar em debates (uma das razões que me fez optar pelo curso de Direito) e de gostar de pensar em novas ideias que através da retórica me poderão levar a convencer (ou pelo menos a deixar sem resposta) o próximo, detesto aquelas pessoas que se põem a "mandar bitaites" sobre assuntos que não percebem ou sobre os quais não estão minimamente informadas, acabam apenas por fazer figuras tristes e envergonhar a dita arte da oratória. Por isso deviam era ficar mesmo caladas.
Eu gosto é daquelas pessoas que, meia volta, têm o melhor argumento do mundo para qualquer assunto (só não o vi aplicado à Casa Pia): "se não tivessemos comprado os submarinos..."
Este país deve comprar submarinos desde o Marquês de Pombal, só assim se explica tanto atraso! :-))
Pedro
Lembro-me de noites claras à beira do mar onde a conversa corria doida pela areia fora, tantas vezes sem sentido, sobre temas irrelevantes. As vozes subiam à lua e caiam com estrondo sem que os gladiadores admitissem derrota. Algumas vezes esquecia-se até o ponto de partida, o caroço do argumento... Mas, no fim, depois de alguns amargos de boca e amuos, mantinha-se intacto o prazer simples de ter estado juntos... sem motivo grave ou interesse imediato, para além da amizade, sem ter obviamente resolvido nenhum problema.
Outros tempos.
Enviar um comentário