Há uma senhora que há mais de 14 anos passeia pelas mesmas ruas, no mesmo bairro, com o mesmo cão. De Verão e de Inverno, com frio ou com calor, com chuva ou com sol. Sempre sózinha com o mesmo cão. Há mais de 14 anos...
Vejo-a passar, alta, branca e magra, com os passos largos e decididos de sempre, passos de quem cumpre um ritual de que a vida precisa para continuar... igual. Tenho a impressão de que o tempo parou. Não me parece que tenham envelhecido, a senhora e o cão de pêlo castanho claro e olhos doces. Parecem espectros de um passado que resiste. Eremitas de uma cidade fria e vazia. Apenas uma coisa mudou: no ínicio havia uma trela. Agora, o cão segue a dona de perto, voluntariamente. Olham-se de vez em quando. Talvez com ternura. A ternura que só eles percebem, de que só eles precisam. Continuam no seu destino invariável e obrigatório, fechando o circuito do bairro. A senhora olha de vez em quando para o lado, rapidamente, com desdém, para as casas e os jardins que conhece de cór, como se fossem velhas pinturas, cheias de pó, penduradas na sala de estar que é o bairro onde se passeia há mais de 14 anos, às mesmas horas, todos os dias, com o mesmo cão. Só ela e o cão.
Quando algum deles morrer, vou sentir-lhe a falta. Não posso imaginar a senhora às voltas no bairro sem o cão. Não posso imaginar o sofrimento do cão se a dona desaparecer. Não posso imaginar o bairro sem esses peregrinos do tempo que parou e da vida que se repete como um disco riscado de música triste.
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